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A Praia

«I try to be as progressive as I can possibly be, as long as I don't have to try too hard.» (Lou Reed)

teguivel@gmail.com

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segunda-feira, maio 31, 2004

O trauliteiro trotskista


O pasteleiro trotskista tem afinal muito pior aspecto do que se tinha imaginado.

[Trauliteiro. s.m. Indivíduo que dá pancada com pau, cacete, traulito.]
 

sexta-feira, maio 28, 2004

Bonito, bonito
«Nós [tropicalistas] queríamos também uma coisa que fosse, de algum modo, feia, enquanto Chico [Buarque] permaneceu realizando só o que era bonito.» (Caetano Veloso)

A unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues - eu já tinha citado Nelson Rodrigues? Pois, a unanimidade é burra e baba na gravata. A nova unanimidade é dizer que Caetano Veloso foi aos Óscares e se perdeu, que o último disco não presta ou - na formulação de João Miguel Tavares - que Caetano venderia discos até a ler a lista telefónica porque as pessoas o compram por um tique de «autoria». João Miguel Tavares, de quem eu discordo até quando ele diz «boa tarde» - embora ele diga «boa tarde» de uma forma muito parecida com a minha -, disse ontem que temos de nos livrar desta coisa dos «auteurs» que nos ficou «do cinema francês». (Não estou a gozar: ele disse mesmo que estamos presos aos autores por causa do cinema francês). Ora, eu acho exactamente o contrário: precisamos de «autores» e «obras» e pessoas que sigam o caminho que entendem seguir, com uma coerência mais ou menos existente, mais ou menos inteligível para quem os vê de fora.
Não faço questão de que se ache que o último disco de Caetano Veloso é excelente - eu, por exemplo, não acho. O que já me custa mais a entender é que se goste de Caetano Veloso, um homem que tem mais de 30 discos publicados e que experimentou uma data de coisas, as quais ele de resto assume algumas como «bonitas» e outras nem por isso, e que ao fim de todo este tempo se descubra que o Caetano «já não é o que era». Em contrapartida, tratam Livro, de 1998, como uma obra-prima sem mácula. Por mim, desconfio desse consenso, dessa unanimidade, em torno de um disco que tem pelo menos uma canção que me parece irrecuperável - «Você é minha». Mas admito que sim: admito que se, por exemplo, o Nuno Pacheco - que eu acho um «autor», uma «autoridade», em matéria de crítica de música brasileira - diz que o Livro é imaculado, talvez ele seja, e talvez um dia eu chegue lá.
As opiniões sobre A Foreign Sound têm-me parecido muito categóricas - e muito insustentadas. JMT, por exemplo, odeia o cover de «It's alright, ma» e eu gostava, sincera e candidamente gostava, de saber porquê. Em matéria de «achismos», eu acho que A Foreign Sound tem um número perfeitamente razoável de versões muito boas, a começar pela primeira («Carioca») e incluindo «Something Good», «Nature Boy», «Jamaica Farewell», «Diana», «Come as you are», «Smoke Gets in Your Eyes», «Cry me a River» ou a do Bob Dylan. Também acho que não me fazem falta versões de standards às quais não me parece que a voz do Caetano acrescente muito («Sophisticated Lady», «Summertime» ou «Body and Soul», por exemplo).
Mas o que eu acho ou não acho é irrelevante, é um palpite para os amigos, é um «wild guess», uma coisa que, como já aconteceu com outros discos, daqui por alguns anos pode mudar. Se os críticos e o público em geral têm alguma coisa para dizer que nos ilumine a audição da obra, excelente. Se é para dizer que estão «decepcionados» - obrigado, passem muito bem. Se eu nunca quisesse ser «decepcionado», procurava muita coisa - livros da Margarida Rebelo Pinto, música à medida do freguês - mas certamente que não Caetano Veloso. Para além do que eu acho e do que outros acham, o que é certo é que Caetano vai continuar a fazer várias coisas diferentes, algumas «bonitas», outras não, umas que seguiremos e outras nem por isso. É essa mesma a «autoria» dele, e isso é que lhe dá a liberdade.

PS. É impressão, ou Prenda Minha, que tem coisas boas e também bastante lixo, não suscitou tantos ódios? E o Fina Estampa de estúdio, de certeza que era melhor que este?
 
3-0
Este post vai parecer muito estranho a quem não goste de bola - e mesmo a quem goste. O que transcrevo a seguir é uma crónica sobre futebol, mas não uma crónica no sentido dos textos de Nelson Rodrigues, «breves ensaios poéticos» como lhes chama Caetano Veloso. Isto é uma crónica em sentido próprio, uma narrativa crítica sobre um jogo. O Bruno Prata, que a escreveu, é um jornalista que sabe imenso de futebol e escreve bem, e este texto sobre a final da Liga dos Campeões parece-me um excelente exemplar disso. Há anos que ando a dizer bem dele, apesar de ele ser notoriamente portista. Não percebo como é que ainda não deram um blog a um tipo destes, que tem de continuar a escrever os seus textos no jornal, onde ninguém repara.

FC Porto Atingiu o Céu
Bruno Prata em Gelsenkirchen
Público, 27 de Maio de 2004

Dezassete anos depois, o FC Porto voltou a atingir o céu. Gelsenkirchen provou que o futebol é uma religião pagã, onde as pessoas se encontram para momentos de verdadeira adoração aos vencedores. E nada melhor que o templo do Schalke 04 para venerar o novo campeão europeu. Mourinho queria uma final espectacular e não a teve tanto como ele gostaria, mas que importa isso numa vitória com três golos para recordar?
"Eu sei que o futebol é assim mesmo/um dia a gente ganha/outro dia a gente perde/mas porque é que/quando a gente ganha/ninguém se lembra que o futebol é assim mesmo?". Este retalho de Quando É Dia de Futebol, escrito pelo centenário poeta Carlos Drummond de Andrade, que não gostava de efemérides, retrata como uma luva o jogo de ontem. O FC Porto não foi, longe disso, a equipa dominadora que mostrou ser noutros jogos desta caminhada triunfal, o Mónaco até chegou a assustar, mas ninguém pode questionar o resultado e gastar muito tempo com o adversário quando este foi batido por um esclarecedor 3-0.
A Liga dos Campeões é patrocinada, entre outros, pela PlayStation, jogo em que vale a perícia nos comandos, aquilo que mais faltou aos jogadores portistas durante quase toda a primeira parte. Na posição defensiva, a tecla relativa à pressão não funcionou, pese embora a aplicação de Costinha. Mas onde os portistas começaram verdadeiramente irreconhecíveis foi na organização atacante, onde a tecla "xis", na consola sempre reservada ao passe, era demasiada vezes tocada de forma trapalhona e com imperfeição, o "círculo" nunca resultava em centros bem medidos e o "triângulo" pior ainda nas tentativas de conseguir boas aberturas.
Como uma boa parte dos jogadores do FC Porto não se entendia com os "comandos", o FC Porto surgiu como uma réplica fraca da equipa que cedo silenciou o Riazor, apesar de ter alinhado exactamente com o mesmo "onze" e com uma estratégica idêntica à da Corunha. Logo aos 2', só a rapidez e o corte em última instância com a perna de Baía impediu que o isolado Giuly chegasse primeiro à bola. Deco não conseguia pegar no jogo, escorregando um sem-número de vezes, no que seria imitado por vários colegas de equipa; Carlos Alberto tanto arrancava um bom drible como logo revelava ingenuidade; a Derlei as bolas não chegavam e parecia menos inspirado do que tem sido costume; a Paulo Ferreira parecia ter-lhe caído mal o lanche e era vezes sem conta batido por Cissé; Maniche idem e Pedro Mendes e Nuno Valente distinguiam-se pelos disparates, embora o primeiro tenha começado a melhorar após a meia hora de jogo. Salvavam-se praticamente apenas Baía (três ou quatro intervenções magníficas), Costinha (sempre muito concentrado) e principalmente Ricardo Carvalho, que sabe de cor as teclas todas e toca-as sempre na perfeição.
O FC Porto acabaria por terminar com apenas 46 por cento de posse de bola na primeira parte, surpreendentemente com menos dois minutos que o adversário, com um sem-número de passes errados e quase sem conseguir entrar na área do Mónaco, que levou vantagem na nota artística, embora também sem entusiasmar por aí além. De facto, durante largos períodos a bola parecia atraída pelo círculo central e o jogo decorria em pouco metros e com uma densidade populacional que pedia meças com o centro de Tóquio.
Mas os instantes finais da primeira parte já foram de alguma retoma para o FC Porto, até porque o Mónaco sofreu um duro revés aos 22, quando o capitão Giuly teve de sair lesionado e Morientes passou a ter por companheiro na frente o croata Prso. O seu futebol ficou claramente mais previsível e com menos capacidade de explosão sem o internacional francês. Morientes ainda viu ser-lhe mal assinalado um fora-de-jogo quando se isolava, mas os adeptos portistas deram finalmente nota de si aos 33', após um boa jogada em que a bola passou sucessivamente por Paulo Ferreira, Derlei e Deco, que viu o remate prematuramente travado por um adversário.
Mas a primeira vez que o FC Porto visou verdadeiramente pela primeira vez a baliza do italiano Roma resultou em golo, com Carlos Alberto a mostrar a magia negra que distingue os sobredotados. Recebeu o centro de Paulo Ferreira, pareceu primeiro tentar a assistência para Derlei, a bola ressaltou em Rodriguez e o brasileiro levantou a perna como se fosse a pá de um moinho e atirou para o fundo da baliza.
Estava feito o mais difícil, sem grandes primores, é certo, mas nas finais é muitas vezes assim, como de resto bem avisara Deschamps. Quando o jogo recomeçou, havia nitidamente no ar a sensação de que só um segundo golo traria alguma tranquilidade ao FC Porto, até porque, de alguma forma, ontem em Gelsenkirchen estavam em confronto a melhor defesa e o melhor ataque da Liga dos Campeões. Mas o Mónaco, que não foi inferior durante muito tempo, sofreu o que o dramaturgo Nélson Rodrigues chamou "complexo do vira-lata": acobardou-se no momento decisivo e pagou o sentimento de inferioridade.
E é justo reconhecer que muito da tranquilidade necessária veio ser dada aos portistas com a entrada de Alenitchev, que confirmou ter um pendão especial para se destacar nas finais, como já mostrara em Sevilha. Carlos Alberto saiu à hora de jogo, tinha feito o mais difícil, Deschamps arriscou a entrada de Nonda, mas os falhanços de Paulo Ferreira e Nuno Valente iam sendo resolvidos pelos centrais e por um Vítor Baía que ontem provou, se isso fosse alguma vez preciso, que é um crime ir ver o Europeu pela televisão.
Mas uma final sem um momento de magia de Deco seria uma falha grave da produção. Quando Deco arrancou do seu meio-campo, deslizando com a bola colada ao pé durante metros e mais metros na relva até a entregar a Alenitchev e a receber do russo, para trocar os olhos ao guarda-redes e aos centrais antes de rematar, imparável, o quadro tornou-se claramente mais perfeito. Baía continuou a resolver as coisas lá atrás e a última cena estava justamente reservada para Alenichev, que naquele jeito superior de controlar a bola, como se de um czar se tratasse, recebeu de Derlei e fechou a conta com um remate que teve tanto de perfeito como de raiva. E a festa dos jogadores portistas começou muito antes do jogo acabar.
 

quarta-feira, maio 26, 2004

A doce carícia
[O que transcrevo a seguir são dois excertos de um texto já de si mesmo fragmentário que a Adília Lopes publicou na revista do Público em 7 de Abril de 2002. Estes bocados - ela explica na crónica - já os tinha publicado antes em versão policopiada, no final de 2001. Que eu saiba, este texto não existe agora em mais lado nenhum.]

A doce carícia de F. transforma-se em agressão depois da carta maldosa de F. O passado é feito pelo presente. E todo o presente está envenenado. E todo o veneno é remédio, é contra-veneno. A carta maldosa de F. é anulada pela posterior carta doce de F. A doce carícia de F. é a doce carícia de F. outra vez. Até quando? Atrás do presente (à frente) há sempre mais presente. Sempre. Sempre. (...)

O Príncipe dá um beijo tão forte na boca da Bela Adormecida que lhe arranca um bocado da boca. A Bela Adormecida fica tão contente por ser acordada pelo Príncipe que lhe dá um abraço tão apertado que o estrangula e se estrangula. (...)
 

Rio, anos 1940
 
Um gesto
No cameras, please
José Vítor Malheiros
Público, 25 de Maio de 2004

Donald Rumsfeld tomou finalmente uma medida clara relativamente à tortura e às humilhações infligidas a prisioneiros iraquianos pelas forças armadas dos EUA. Pode ter demorado a reagir, pode ter tido relutância em admitir a responsabilidade dos militares sob as suas ordens, pode ter tentado esconder a sua própria responsabilidade, pode ter tentado minimizar os factos, mas acabou por tomar uma medida desprovida de ambiguidade sobre a questão. A medida tomada pelo Pentágono, noticiada por um semanário britânico, é a proibição aos militares americanos de usar telemóveis equipados com máquina fotográfica, máquinas fotográficas digitais e câmaras de vídeo no interior das instalações militares no Iraque.
Aceita-se sem rebuço que haja limitações à captura de imagens dentro de instalações militares - sejam elas quais forem e seja em que país for. A questão não é essa. A questão é que esta medida é uma reacção à divulgação dos maus tratos a prisioneiros de Abu Ghraib. É isso que é revelador da sua intenção.
Se o verdadeiro objectivo do Pentágono fosse pôr fim aos abusos dos prisioneiros, a divulgação destas imagens só poderia ser vista como um passo no bom sentido (por muito prejudiciais que tenham sido para a imagem dos EUA), pois permitiria extirpar uma prática condenável. A mensagem que é dada é que, para a administração americana, o que é grave não é que os atropelos tenham sido cometidos, mas que tenham sido divulgados. E para evitar que esse erro grave se repita, basta proibir a captação de imagens. Os EUA não querem que ninguém veja a forma como tratam os seus prisioneiros. Como mensagem é preocupante, pois alimenta os piores receios - nomeadamente o de que Abu Ghraib não seja uma excepção mas a norma e de que os maus tratos prossigam (ou recrudesçam) uma vez garantida a ausência de câmaras.
Proponho uma experiência conceptual àqueles que pensam que todos somos iguais mas que os EUA são mais iguais do que os outros: se tivessem sido divulgadas imagens semelhantes passadas numa prisão portuguesa, acham que se deveria sugerir que a entrada de câmaras nas prisões passasse a ser mais controlada? Seria esta a coisa certa a fazer? Ou isso seria inaceitável como reacção no nosso caso mas é aceitável no caso dos EUA porque eles têm sobre as suas costas o fardo do império?
A proibição dos telefones fotográficos é mais um tique, daqueles que os EUA exibem com preocupante frequência nos últimos tempos: um tique totalitário. (Alguém se recorda das posições americanas em relação à China a propósito das tentativas de controlar o acesso à TV por satélite e à Internet?)
Que as imagens são preocupantes para os poderes já sabemos (veja-se o recente caso do vídeo do casamento iraquiano bombardeado pelos EUA), que a multiplicação dos meios de captação e de difusão está a mudar a geografia dos poderes no mundo também tem sido amplamente glosado nos últimos tempos, mas a incomodidade perante as imagens, num regime democrático, não pode ser gerida através da censura. Pode argumentar-se que isto apenas é verdade na vida civil mas não na esfera militar. Acontece porém que o fito do segredo militar é proteger o segredo de operações - não a prática de crimes.
 

terça-feira, maio 25, 2004

Viva o badocha


Estou muito satisfeito pela vitória de Michael Moore em Cannes. É preciso ser não apenas bushista mas também cego para não ver que Bowling for Columbine já era um documentário incrivelmente engenhoso e com imenso sentido de humor. Humor de intervenção política, que não é muito habitual.
 

terça-feira, maio 18, 2004

O mistério do sono


Às vezes repreendem-me se faço menção de matar uma barata. Quase me deixo tentar pela ideia de que, ao querer dispor da vida da barata, da traça ou da formiga, incorro em «especismo», um defeito de pensamento análogo ao racismo ou ao sexismo. É então que me dou conta de que o tigre, como os outros animais, não sofre de insónia, um fenómeno de origem psicológica. E, enquanto medito sobre o mistério da insónia que a barata não tem, com uma sapatada tiro-lhe a vida.
 

segunda-feira, maio 17, 2004

A cidade de gola alta
«A cidade devastada pela nudez», diz-me um amigo. Engana-se. Lisboa sob um sol de trinta graus é uma floresta de camisolas de gola alta.
 

domingo, maio 16, 2004

«Houve taça» no Jamor

Benfica, o tomba-gigantes.
 
A falta de pachorra


Caro Ivan Nunes,
Frequentemente falta a pachorra é para o teu umbigo: lá porque só te interessas por, e só sabes de, política, futebol e cinema, não é razão para nem sequer dares pela extraordinária riqueza dos textos do Bénard da Costa (pintura, história, religião, literatura e tudo o resto), os melhores que o Público tem a felicidade de poder publicar. Vê se te arrependes e dá a mãozinha à palmatória: confessa a tua ignorância. Confessa que pertences à vasta manada de ignorantes que se formou nas escolas portuguesas.

[email de um leitor amável]
 
Globalização

Pelé, México, 1970

Until 1970, people of my age and a few good years older knew more about Ian Ure than they did about the greatest player in the world. We knew that he was supposed to be pretty useful, but we had seen very little evidence of it: he had literally been kicked out of the 1966 tournament by the Portuguese, but he hadn’t been fit anyway, and nobody I knew could remember anything about Chile in 1962. Six years after Marshall McLuhan published Understanding Media, a good three-quarters of the population of England had about as clear a picture of Pelé as we’d had of Napoleon one hundred and fifty years before.
Mexico 70 introduced a whole new phase in the consumption of football. It had always been a global game in the sense that the whole world watched it and the whole world played it; but in 62, when Brazil retained the World Cup, television was still a luxury rather than a necessity (and in any case the technology required to relay the games live from Chile didn’t exist), and in 66 the South Americans had performed poorly. (…) In effect, 1970 was the first major confrontation between Europe and South America that the world had the opportunity to witness. When Czechoslovakia went one up in Brazil’s opening game, David Coleman observed that «all we ever knew about them has come true»; he was referring to Brazil’s sloppy defence, but the words are those of a man whose job was to introduce one culture to another.
In the next eighty minutes, everything else we knew about them came true too. They equalized with a direct free kick from Rivelino that dipped and spun and swerved in the thin Mexican air (had I ever seen a goal scored direct from a free kick before? I don’t remember one), and they went 2-1 up when Pelé took a long pass on his chest and volleyed it into the corner. They won 4-1, and we in 2W, the small but significant centre of the global village, were duly awed.
It wasn’t just the quality of the football, though; it was the way they regarded ingenious and outrageous embellishment as though it were as functional and necessary as a corner kick or a throw-in. (…) Even the Brazilian way of celebrating a goal – run four strides, jump, punch, run four strides, jump, punch – was alien and funny and enviable, all at the same time. (…)
In a way, Brazil ruined it for all of us. They had revealed a kind of Platonic ideal that nobody, not even the Brazilians, would ever be able to find again; Pelé retired, and in the five subsequent tournaments they only showed flashes of their ejector-seat football, as if 1970 was a half-remembered dream they had once had of themselves. At school we were left with our Esso World Cup coin collections and a couple of fancy moves to try out; but we couldn’t even get close, and we gave up.

[Nick Hornby, 1992, Fever Pitch, London: Penguin, p.27]
 

sábado, maio 15, 2004

Frequentemente sem muita pachorra

It is not the unconscious I seek in your pictures but the conscious.

Entre dois elogios a Helena Matos e Fátima Bonifácio, de longe em longe, João Bénard da Costa ainda arranja tempo para contar umas histórias de cinema.

Dalí, a Omelete e o Português
Público, 14 de Maio de 2004

1. «Oh Salvador Dalí, de voz aceitunada!» Fazia-o morto há muitos anos, era de Inverno e era de 1989, e ei-lo que ressuscitou, finalmente centenário, a 11 de Maio desta semana, dia da festa de Catarina de Pozuelo. Tinha obrigação de saber mas estava distraído e foram os jornais quem mo lembrou. Saudades? Não muitas. Sempre o vi de longe, às vezes divertido, mais frequentemente sem muita pachorra. Pode ser da idade, já que, na altura em que descobri o surrealismo, os surrealistas lhe cuspiam em cima, como, ainda era novinho, ele cuspiu em cima do retrato da mãe.
Foi Buñuel quem me contou esta história. Quando, em finais de 1929 (Buñuel com 29 anos, Dalí com 25), foi ter com ele a Figueras, para fazerem juntos L'Âge d'Or, com o rico dinheirinho do visconde de Noailles, o caldo estava entornado. O pai do pintor tinha descoberto um quadro em que este escrevera em letras garrafais: «Cuspo alegremente em cima do retrato da minha mãe.» Deu-lhe um pontapé em sítios sensíveis e pô-lo no olho da rua. Não se iam repetir os doces dias de um ano antes, quando os dois, em recôndita harmonia, tinham escrito a quatro mãos o argumento de Un Chien Andalou. Não foi só por falta de casa. Os egos de cada um deles, que não eram murchos, já se olhavam desconfiados. Dalí achava que Buñuel lhe roubara os louros do andaluz. Buñuel suspeitava que Dalí pensava que um filme é de quem o escreve e não de quem o realiza. Além disso, Dalí já tinha roubado Gala a Éluard e, ouriço ou rinoceronte, a futura «virgem auto-sodomizada pelos cornos da sua própria castidade» embirrava com o amigo Luís e não gostava da sua companhia. Buñuel saiu depressa de Cadaqués e, como «o grande masturbador», foi escrever sozinho o argumento de L'Âge d'Or em Hyères, numa propriedade dos viscondes.
No futuro, fizeram-se muitas maldades. Quando Dalí chegou à América, em Junho de 1940, soube que o cineasta também por lá andava e até tinha um bom emprego no departamento de cinema do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Dalí já tinha namoro com o franquismo, embora namoro à distância. Buñuel era um exilado político, que servira a Espanha republicana. Quando conheceu Rockefeller, que tinha entendido num sentido demasiado americano a profissão de republicanismo que Buñuel lhe fizera, perguntou-lhe como era possível que um museu dele (dele, Rockefeller) desse emprego a um ateu comunista. Como é óbvio, deixou de dar. Graças ao velho amigo, Buñuel ficou desempregado.
Nos anos 50, andava Buñuel pelo México a fazer melodramas a que ninguém prestava atenção, Dalí, interrogado sobre a verdadeira autoria de Un Chien Andalou e de L'Âge d'Or, respondeu que felizmente as merdas que o cineasta andava a fazer metiam pelos olhos do mais cego quem era quem nesses celebérrimos títulos.
Consta que, quando ambos já eram octogenários, e não se viam nem se falavam há quarenta anos, Dalí teria feito saber a Buñuel que, antes de morrerem, gostava de voltar a beber um dry-martini com ele. «Também eu», mandou-lhe dizer o realizador. «Só que já não bebo dry-martinis

2. Meti-me por Buñuel e perdi-me em vias lácteas. Onde é que eu ia, ou por onde é que eu comecei? Pois é. Estava a falar dos meus mornos sentimentos pelo pintor dos bigodes. Também se devem a Buñuel, que não foi nada meigo com ele, como é compreensível. É preferível voltar ao Salvador Dalí, «de voz aceitunada, da «Oda a Salvador Dalí» de Garcia Lorca, poema de 1925.
Puxei-me pela língua e cá vai outra pouco comemorativa. Sabem o que respondeu Dalí, em 1966, quando Alain Bosquet lhe perguntou o que é que ele tinha sentido quando soube do fuzilamento de Lorca? «Fiquei contentíssimo. Aliás, como sou um jesuíta dos bons, de cada vez que morre um amigo meu, tenho a sensação que fui eu quem deu cabo dele, que ele morreu por minha causa.» Era o mesmo Lorca de quem, em tempos, Dalí dissera «personificar por si só o fenómeno poético na sua totalidade: confuso, sanguinolento, viscoso e sublime»? Era. Mas Dalí mudou mais na vida do que na pintura, essa pintura que tanto mudou.
Em qualquer caso, há um ponto em que eu acho que ele não mudou e que é justamente salientado na ode de Lorca. É o que se refere à «firme dirección de tus flechas», «a tu bello esfuerzo de luces catalanas». Infelizmente, se esse acerto das flechas e esse esforço de luz estão quase sempre presentes na obra de Dalí, este não seguiu o conselho com que Lorca concluiu a ode citada:
No mires la clepsidra con alas membranosas,
ni la dura guadaña de las alegorías
Viste y desnuda siempre tu pincel en el aire
frente a la mar poblada con barcos y marinos.


3. Houve um cineasta - outro cineasta - que teve olhos para ver isso. Foi Alfred Hitchcock, quando, em 1945, convenceu Selznick a convencer Dalí a conceber a célebre sequência do sonho de Gregory Peck em Spellbound.
«Pedi a Selznick que conseguisse que Dalí viesse trabalhar connosco. Aceitou, mas julgo que nunca percebeu as minhas razões. Provavelmente, pensou sobretudo numa operação publicitária, enquanto o que eu queria era mostrar sonhos de uma grande nitidez visual, com traços agudos e claros, imagens muito mais claras do que as do resto do filme. Até aí, tradicionalmente, as sequências de sonho em cinema eram sempre mostradas entre turbilhões de nuvens, voluntariamente vagas e imprecisas, com personagens evoluindo numa mesclada bruma de neve carbónica e de fumarada. Eram essas as convenções reinantes e eu decidi fazer o contrário. Escolhi Dalí porque há, na maneira de pintar dele, uma precisão alucinatória, exactamente oposta às evanescências e às névoas. Chirico também podia ter servido. As longa sombras, o infinito das distâncias, as linhas que convergem na perspectiva... rostos sem forma.»
Parece que esse sonho, que na versão final do filme não chega a durar mais de cinco minutos, teve inicialmente uma muito maior duração. «Naturalmente» - disse Hitchcock - «Dalí inventou coisas estranhíssimas que não foram possíveis de realizar. Uma estátua que se partia e de dentro dela saíam formigas que depois a cobriam toda. Até se chegou a ver Ingrid Bergman coberta por formigas.» Mas há uma fotografia (infelizmente a imagem não está no filme) em que se vê Ingrid Bergman com uma espécie de cilício e o pescoço envolto por uma coleira de metal, com uma flecha. E, nesse sonho de Gregory Peck com uma Ingrid Bergman ninfomaníaca, aos beijos a todos os homens, conservaram-se felizmente os homens sem rosto segurando rodas moles e um cabaré de paredes cobertas de olhos, que outro homem corta ao meio com um gigantesco par de tesouras. Raccord longínquo com a famosa cena do olho rasgado ao meio por uma lâmina de barba, no início de Un Chien Andalou, tão mais insuportável quanto é mais luminosa a córnea branca que a lâmina vai cortar. No trespassing. E tudo está trespassado. E é a lua ou são os olhos? Tudo pode ser tudo, como em todos os símbolos e como também aconteceu no Chien com as mamas e com os rabos (ou mamas-rabos, ou rabos-mamas) da mulher nua, que, apalpados pelo amante, o mergulham em tal êxtase. Não há dissoluções mas ininterrupta continuidade. Era o tempo (1929) dos «desejos insaciados». Tempo que, efemeramente, regressou, em 1945, não numa tela mas nuns minutos de um filme de Hitchcock.

4. Deixei Dalí vogar em cinema. Não vou sair desse vagar. Em 1937, Dalí escreveu a «análise surrealista e espectral dos céus hollywoodianos».
Reza assim:

«ESPECTROS
Cecil B. DeMille é surrealista pelo seu sadismo e pela sua fantasia.
Harpo Marx é surrealista em tudo
O bigode de Adolphe Menjou é surrealista
Clark Gable não é surrealista
Et cetera

FANTASMAS
Gary Cooper é surrealista nesse filme de sonho e delírio que é Peter Ibbetson, e também com a sua tuba em Mr. Deeds.
O êxtase de Garbo é surrealista
William Powell é surrealista pelas ruínas do seu olhar
Robert Taylor não é surrealista
Groucho Marx é surrealista pelo seu cinismo e pelo seu marxismo
Et ecetera.»

Por isso, talvez não seja de espantar que a primeira tentativa de Dalí para voltar ao cinema, depois de L'Âge d'Or, tenha sido o projecto de um filme com Harpo Marx, a quem ofereceu uma harpa com cordas feitas de arame farpado, embrulhadas em celofane. O filme esteve para se chamar «Giraffes on Horseback Salad».
Por isso, talvez não seja de espantar que, depois de Hitchcock, tenha batido à porta de Walt Disney para um certo «Destino».
Por isso, talvez não seja de espantar que, em 1954, Dalí escrevesse «O Carrinho de Mão de Carne» em que haveria uma cena, nas margens do lago de Vilabertran, em que Nietzsche, Luís II da Baviera e Karl Marx cantariam com virtuosismo inultrapassável as respectivas doutrinas, acompanhadas a Bizet. No meio do lago, a tremer de frio, com água até à cintura, uma velha muito velha, vestida de toureiro, teria como penteado uma «omelette aux fines herbes» em instável equilíbrio na cabeça careca. De cada vez que a omelete escorregasse e caísse na água, um português fritava outra e voltava a pô-la.
Não houve girafas, não houve destino, não houve carrinho de mão. É por isso que prefiro que recordem o Salvador Dalí de voz de azeitona ou a «Vénus y Cupidillos» de 1925. Não desfazendo no português das omeletes.
 

sexta-feira, maio 14, 2004

Preocupações
Consta que isto se está a tornar num blog sobre futebol, coisa que aceito e não desminto. De qualquer forma, queria deixar lavradas as minhas preocupações do momento. O Benfica pode ganhar a final da Taça no domingo. Considero isso uma má perspectiva, mesmo que o meu desgosto pelo Benfica seja em geral muito marginalmente inferior ao meu desgosto pelo Porto. Acompanhem o meu raciocínio.
Primeiro, o Porto tem mais em que pensar e o Benfica não. Isto não significa que o Porto não deseje vencer a Taça de Portugal, mas, quer se queira quer não, a perspectiva da Liga dos Campeões é um bocado mais emocionante, e portanto há uma dose de esforço para este jogo que, se for necessária, não poderá ser investida. Pelo contrário, para o Benfica, ter a hipótese de ganhar uma Taça de Portugal já é incrivelmente emocionante. O Benfica fez uma época bastante medíocre, ficou arredado do Campeonato desde muito cedo e acabou, para surpresa própria, a receber o acesso à pré-eliminatória da Liga dos Campeões como um presente do outro lado da segunda circular. O Benfica não ganha absolutamente nada desde 1996. A Taça de Portugal é, para o Benfica, a Liga dos Campeões. Acresce que o Porto é que é de facto finalista da Liga dos Campeões, pelo que é favorito: para o Benfica, perder será aceitável. A minha aposta é que o Benfica tem trinta por cento de hipóteses, o que é incrivelmente muito e preocupa-me.
A razão da minha angústia explica-se de forma simples: perder é mau. Parte do desagradável da derrota está em perder para os rivais. Se o Porto ganhar o Campeonato, mais a Taça, mais, se calhar, a Liga dos Campeões, nós só perdemos para o Porto; mas se o Benfica ganhar a Taça, ficamos a perder para os dois. Pior que isso, só se ficassemos fora das competições europeias – dois anos seguidos.

PS. Uma vez que isto é um blog sobre bola, dei-me ao trabalho de refazer o post anterior.
 

quinta-feira, maio 13, 2004

Peregrinação de fé

Argentina-Holanda, 1978

Hoje, 13, amanhã e depois, realiza-se no Instituto de Ciências Sociais (Av. das Forças Armadas, Lisboa) um colóquio sobre «Futebol, Ciências Sociais e Imagem» que inclui conferências com académicos portugueses e estrangeiros, bem como a exibição de documentários seguidos por debates.
Suscita-me especial interesse a intervenção hoje, às quatro da tarde, de Anthony King, professor da Universidade de Exeter (Inglaterra) – dois livros publicados sobre bola. Ele irá falar sobre as transformações que o futebol tem sofrido desde cerca de 1990, a chamada era da «globalização», e como elas se repercutem na «identidade» (não há discurso de sociólogo que não meta esta palavra) dos adeptos do Manchester United. Penso que, de forma sumária, a ideia é que, com a entrada massiva do dinheiro das transmissões televisivas, com a Lei Bosman, etc., os grandes clubes europeus deixaram de ser os «representantes nacionais» nas competições europeias para serem mais ou menos odiados pelos seus compatriotas, adeptos de outros clubes que estão hoje competitivamente muito distantes dos maiores. Os exemplos óbvios são o Manchester United, o Arsenal, o Real Madrid, o Barcelona, a Juventus, o Bayern de Munique, o Milão – e até, com um bocado de sorte, o Porto. King sustenta que os adeptos destes clubes «reconfiguram as suas identidades» (estou a ir bem, não lhe perdi o jeito) à volta da respectiva cidade ou região, com exclusão da sua identidade nacional.
Às 17h30 exibe-se um documentário sobre a selecção jugoslava de 1992, que foi apurada para o Campeonato da Europa mas seria à última hora substituída, por via da aplicação pela UEFA das sanções decretadas pelo Conselho de Segurança da ONU contra a antiga Jugoslávia, pela selecção dinamarquesa. (Apurados na secretaria, os dinamarqueses viriam surprendentemente a ganhar o torneio). O documentário sobre “A Última Selecção da Jugoslávia” é de 2000, realizado por Vuk Janic, e dura 55 minutos. Essa equipa jugoslava, que se desfez ao mesmo tempo que se desfazia o próprio país, era encarada como uma espécie de geração de ouro, que tinha jogadores como Boban, Suker, Prosinecki, Savicevic ou Mihaljovic e ganhou o Campeonato Mundial de Juniores de 1987.
No sábado, às quatro da tarde, o antropólogo Eduardo Archetti, da Universidade de Oslo, falará sobre a complexa relação entre a ditadura militar argentina e a selecção nacional de futebol que em 1978, jogando em casa, ganhou pela primeira vez o Campeonato do Mundo. A encerrar, às 17h30, um documentário – “Forza Bastia!”, de Jacques Tati e Sophie Tatischeff, 1978, 26 minutos – mostra essa cidade da Córsega no dia em que a equipa local defrontou o PSV Eindhoven para a 1ª mão da final da Taça UEFA. O Bastia conseguiu algum sucesso internacional no final da década de 1970 – no ano em que chegou à final, derrotou o Sporting na primeira eliminatória –, sendo hoje um clube perfeitamente periférico e em acentuado declínio. Ao filme segue-se uma conversa com os antropólogos João Leal e José Manuel Sobral.
 

quarta-feira, maio 12, 2004

No coração do regime
Abu Ghraib
Por José Vítor Malheiros
Público, 11 de Maio de 2004

A divulgação dos actos de tortura e humilhação a que foram submetidos prisioneiros das tropas americanas no Iraque deram origem, num primeiro momento, à esperada condenação unânime e, num segundo momento, à inevitável bifurcação moral. Enquanto uns consideraram a revelação como uma prova em si da superioridade moral da democracia americana e exprimiram a sua convicção de que os responsáveis seriam identificados e castigados, o que provaria de forma ainda mais cabal a dita superioridade, outros apressaram-se a comparar a actual situação no Iraque em termos de direitos humanos aos tempos do ditador Saddam.
Ainda que se deva admitir o princípio da responsabilidade dos dirigentes pelos actos dos subordinados (eventualmente sem culpa) é consensual que a responsabilidade política de Rumsfeld e Bush (porquê parar em Rumsfeld?) seria nula se se tivesse tratado de actos isolados de uns quantos soldados (um ou vinte, é irrelevante), claramente desenquadrados da prática geral, da vontade das chefias militares e das ordens expressas recebidas.
Porém, já sabemos que não é assim. Sabe-se hoje que, pelo menos na prisão em causa, Abu Ghraib, esta prática estava generalizada, que era conhecida das chefias militares e era tolerada, que tinha sido investigada e posta preto no branco num relatório militar, que tinha prosseguido após essa investigação e parece ser mesmo resultado de ordens directas dos serviços secretos. A multiplicação de provas fotográficas e videográficas é, aliás, a melhor prova da convicção de impunidade dos protagonistas desses actos.
Para os adeptos mais fervorosos da política de Bush, os episódios de tortura não são senão um pequeno desvio (lamentável) a algo que é a justa linha do partido que representa a vanguarda da história - o Partido Conservador americano.
No entanto, é sabido (por quem queira saber) que existem nas prisões americanas em geral - não é preciso chegar ao Iraque - os mais chocantes e sistemáticos abusos dos direitos humanos, bem documentados e com constantes condenações de organizações domésticas e internacionais. Mas, como "os EUA são uma democracia" e precisamente porque muitos destes abusos são denunciados, eles podem ser ignorados com um comentário desculpabilizador. Numa operação de branqueamento moral, as constantes denúncias dão origem não a uma condenação mas a uma ilibação do sistema.
Que a guerra traz ao de cima o que de pior existe nas pessoas já se sabe e não havia razão para esta ser excepção. Mas há outra razão para não haver surpresa nos casos de tortura na prisão de Abu Ghraib. É que eles inscrevem-se na lógica, que tem vindo a ser seguida nos EUA desde o 11 de Setembro, de constante atropelo dos direitos humanos em nome da segurança - na qual o caso de Guantánamo ganhou maior destaque, mas não é único. A lógica de Guantánamo - que não é da responsabilidade individual de uns quantos soldados - é a lógica das leis de excepção, do parêntesis nos direitos humanos, justificado em nome da defesa nacional. Esta deriva securitária, denunciada por inúmeras organizações americanas, traduz-se numa retracção radical dos direitos cívicos, numa agudização da discriminação religiosa e racial, num moralismo asfixiante e numa propaganda supremacista branca e cristã que se transformou de facto no coração do regime - para tristeza dos democratas que reconhecem sólidas virtudes no sistema americano. É este libreto que os tristes soldados de Abu Ghraib interpretam, à sua triste maneira. Nesse sentido, os seus actos inscrevem-se na lógica do sistema - como Guantánamo, que talvez um dia Rumsfeld venha dizer que não sabia que existia...
Nesse sentido, os responsáveis políticos americanos, com Bush à cabeça, são certamente responsáveis por eles.
 

sexta-feira, maio 07, 2004

Todos à Aula Magna

Esta noite, 21h30, todos à Aula Magna para ouvir Lenine.
 
A chalaça
O Rato que andaria nu pelo Rossio se não fossem encontradas Armas de Destruição Massiva no Iraque passeia-se agora pela blogosfera. A autodesignada «direita inteligente» - inteligente mas, como explica, sem tempo para a «análise» - continua excitada. Rato não nega o que disse em Março de 2003 perante dezenas de pessoas - e, ainda assim, consegue a proeza de chamar mentiroso a quem lhe lembra a história. O caso é que, explica ele para a hipótese de não termos dado por isso, era «uma figura de retórica», «uma expressão ‘coloquial’», uma versão picante de «ponho as mãos no fogo», uma chalaça. Mas Rato não tolera que Louçã tenha escrito em 2003: «os Estados Unidos não precisavam de inspectores para saberem imediatamente quais são os arsenais de Saddam: bastava terem guardado as facturas.» Isto prova, diz Rato, que Louçã também acreditava cegamente na existência de ADM. Ora, tenho uma novidade para Rato: desta vez era uma chalaça. Foi o comediante americano Bill Hicks quem a inventou há mais de dez anos, durante a primeira Guerra do Golfo. Não era uma alegação concreta sobre as armas que Saddam teria ou deixava de ter, mas uma observação sobre o farisaísmo do pretexto americano para a guerra, sobre o falso moralismo da política externa americana.
 

quinta-feira, maio 06, 2004

Um forte egoísmo


«Um forte egoísmo é uma protecção contra a enfermidade mas, no limite, precisamos de começar a amar a fim de evitar a doença, e podemos adoecer se, em consequência de uma frustração, não conseguimos amar.»

No Aviz, Francisco José Viegas assinala o aniversário do nascimento de Freud (6/5/1856) com esta magnífica frase, pela qual concluo que noutro dia estava a citá-lo sem saber.
 

quarta-feira, maio 05, 2004

Um negócio da China
O Sporting tem que pagar 50 mil contos a Fernando Santos se quiser rescindir o contrato. É de borla.
 
Tudo é possível
Tudo é possível. Nada é impossível.
Nada é possível. Tudo é impossível.

[contributo para o estudo de expressões imbecis]
 
Ontem, Derlei não foi um ex-Derlei


Gostava de homenagear o Porto pelo feito de ontem: desde há meses que comecei a torcer pelo Porto na Liga dos Campeões, contra os meus instintos iniciais, pelo simples facto de que eles jogam que se fartam. Ora, o futebol bem jogado é uma coisa que dá imensa alegria. Ficaria mais feliz se algum dia fosse o meu clube a dar-me uma alegria semelhante a esta; mas muito provavelmente não será, no meu tempo de vida nunca será. A realidade é que o feito alcançado pelo Porto - e pelo Mourinho - está para além do sucesso desportivo razoavelmente concebível. Chegar à final da Liga dos Campeões hoje é muito mais difícil do que chegar à final da Taça dos Campeões Europeus onde o Benfica e o Porto antes estiveram. Tendo ganho já a Taça UEFA no ano passado, o Porto está perto de um sucesso que me parece que ultrapassa as míticas vitórias do Benfica de Eusébio na década de sessenta. As desigualdades entre os clubes mais ricos da Europa e os outros, nos quais o Porto se inclui, nunca foram tão grandes como agora; e se na Taça dos Campeões cada país tinha apenas um clube representado, hoje a Inglaterra, a Espanha ou a Itália chegam a ter três e quatro. Mas as palavras sábias sobre a bola tem-nas o maradona, em evidente evocação de Nelson Rodrigues:

«O Deco, meus caros, o Deco é o Deco. Não vejo melhor elogio que este. O Maniche, apesar de tudo, não é o Maniche. O Maniche é apenas um bom, um excelente jogador.»
 

terça-feira, maio 04, 2004

Falcão, vírgula


Convém pensar duas vezes antes de chamar Falcão a Ariel Sharon.
 

segunda-feira, maio 03, 2004

L***
Watchout: the L-word has been said.

[Pedro Mexia, 29.4.2004: «Se eu disser que te amo em frente a esta gente toda, o que é que esta gente toda fica a saber?»]

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