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A Praia

«I try to be as progressive as I can possibly be, as long as I don't have to try too hard.» (Lou Reed)

teguivel@gmail.com

links | arquivo

 

quinta-feira, setembro 30, 2004

E por que é que não fazes tu?
Conheço um gajo que nunca me disse: «e por que é que não fazes tu?»
 

quarta-feira, setembro 29, 2004

Resposta ao MacGuffin, #5
Já vejo o dia em que este título se tornará numa referência permanente da blogosfera, tipo Early Morning Blogs, Estado em que se encontra este blogue, ou Ar Puro.
 

terça-feira, setembro 28, 2004

Precisamente
Naquele tempo tinha 28 anos.



Brigitte Bardot nasceu a 28 de Setembro de 1934. É uma questão de fazer as contas.
 

segunda-feira, setembro 27, 2004

Resposta ao MacGuffin, #4
O MacGuffin respondeu em dois pontos às minhas respostas. Eu sigo o procedimento, dedicando o primeiro ponto à magna questão dos links, e o segundo à questão da apropriação moral do sofrimento (sobre a qual o Bruno Reis também juntou algumas ideias). Acrescento um terceiro de carácter pessoal, idiossincrático.

1. Não respondi antes a sério à questão dos links porque achei que o assunto não era para ser levado a sério; até por algumas passagens do texto do MacGuffin pensei que se intuiam as «razões» para os meus linkamentos e deslinkamentos. Que, muito aquém de julgamentos proferidos do «olimpo», são erráticas. O MacGuffin queixa-se de que deslinko sem explicar, e a razão é óbvia: normalmente não há o que explicar. Se houvesse que explicar, teria que ter razões, e o mais perigoso de tudo: talvez tivesse que «ter razão». Ora, eu acredito que devo procurar ter razão em algumas coisas, mas não – seguramente que não - na minha lista de links.
Às vezes retiro blogs à lista, ou devo dizer: retirava. O assunto parece ser de tal forma susceptível que já não encaro essa parte da página como soberanamente minha. Retirar links é um assunto muito delicado. Por este caminho a decisão de colocar um link torna-se séria e ponderosa. Porque, caramba, o casamento, por pior que seja, já não é indissolúvel; mas um link, aparentemente, só se faz para toda a vida.
Cada blog muda de tom com a passagem de tempo - e isso é uma boa razão para podermos retirar um link. Por outro lado, também há blogs que não mudam de tom com a passagem do tempo - e isso é outra razão possível para os tirar dos links. Eu, leitor, mudo de tom com a passagem do tempo. Há listas de links que são inventários; outras são listas dos blogs que cada um de nós lê; e há também listas dos blogs que conhecemos e de que gostamos. A minha - idealmente - seria do terceiro tipo.
Este assunto não merece três parágrafos. Mas o que é mais bizarro é que este assunto das «hierarquias» na blogosfera mereça três parágrafos a liberais como o MacGuffin ou – com licença – como eu. Diz o MacGuffin a propósito deste assunto: «Na Praia, nada acontece por acaso». Faz-me lembrar a história do homem que não assistia a jogos de rugby porque, de tanto em tanto tempo, os jogadores de ambas as equipas se reuniam no meio do campo para trocar segredos sobre ele. Trata-se - como direi? - talvez de um pequeno exagero.

2. Em nenhum momento (e este facto é importante) pus em causa a «sinceridade» das proclamações de solidariedade com as vítimas de atentados terroristas. (Mas reparo agora: será que sou capaz de escrever sinceridade sem aspas? Eis um problema filosófico.) Não disse, sobre os textos a que me referi, que eram insinceros; disse é que sempre foi pelo menos pateta traçar uma linha de demarcação entre os herdeiros legítimos do 11/9 (os apoiantes da administração Bush) e os outros (os que se opõem a ela). E disse - ou, se não ficou claro, digo agora - que essa tentativa de apropriação privada do combate ao terrorismo é hoje ainda mais inaceitável porque são patentes os fracassos a que a política da administração Bush tem conduzido em matéria de combate ao terrorismo. Como podem pretender que o seu caminho seja o único possível, quando se tem revelado sucessivamente errado?

3. Uma última coisa: gosto muito de elogios; não vou dizer que são «insinceros». Mas há alturas em que surgem «problemas com o Ivan» e em que me pergunto se já se terá convenientemente reparado em que: eu voto habitualmente no partido do Francisco Louçã, e nunca à direita do PS; não tenho nenhuma dúvida sobre a questão da despenalização do aborto; considero o actual governo português não só péssimo mas carente de legitimidade política (ainda que empossado no quadro do que a lei permite); penso que Bush é, ideologicamente, uma aberração reaccionária e, politicamente, gravemente prejudicial aos EUA e ao mundo; e uso o adjectivo reaccionário sem aspas nem ironia?
Será, assim, de espantar que eu não ache, regra geral, nem muito interessantes nem muito persuasivos os blogs que essencialmente se ocupam da defesa das ideias políticas que eu rejeito? Se os achasse muito interessantes e persuasivos, não seria de esperar que eu já tivesse adoptado pelo menos algumas dessas ideias? E, no entanto, reparem: passam-se os anos e eu permaneço neste estado; e, sobre isto, julgando «ter razão».
 
Fita azul na cabeça

[Fotograma de O Desprezo, de Jean-Luc Godard, com Brigitte Bardot e Michel Piccoli, 1963. Retirado de Hipatia, um blog muito bonito, com excelentes fotos.]

Aquela fita azul é o quê? Um adereço irrelevante; uma coincidência; um poderoso, inconsciente, elo de ligação entre acontecimentos muito distantes no tempo, um real, outro ficcionado.
 
O passado como futuro
[de Pedro Lomba, em Flor de Obsessão, 9.7.2003]

SÓ SEI QUE NADA SEI: No DN de ontem, lá para o final do jornal, encontramos uma fotografia de José Sócrates. A imagem exibe-nos um político moderno, atento à imagem, zeloso com a gravata. Sócrates tenta ser uma orquestra sinfónica, tão arrumado, tão composto, tão senhor das suas palavras e do que diz. Procura tocar todos os instrumentos e não falhar nenhum. A sua fotografia é acompanhada por esta legenda: «dantes era capaz de comer qualquer coisa, agora não. O verdadeiro requinte chega com a idade.». Fico dois minutos, minutos eternos, minutos descoroçoados, a ler e reler esta frase. «Dantes era capaz de comer qualquer coisa, agora não. O verdadeiro requinte chega com a idade». Olho para Sócrates. Novamente a frase: «dantes era capaz de comer qualquer coisa, agora não. O verdadeiro requinte chega com a idade». E de novo Sócrates e de novo a frase. A seguir penso em Ferro Rodrigues, depois no PS; e depois, repetidamente, Sócrates, a frase. «Dantes era capaz de comer qualquer coisa, agora não. O verdadeiro requinte chega com a idade». Que político tonitruante. Que maravilhoso trovador.
 

domingo, setembro 26, 2004

Resposta ao MacGuffin, #3
Há um parágrafo desse texto em que o MacGuffin e eu discordamos francamente. Diz assim:

«Para o Ivan, só há uma razão para uma criatura de direita evocar um “nunca esquecer”, ou para discorrer sobre o sofrimento das vítimas do 11 de Setembro: “tentativa de apropriação moral e emocional do 11/9”. Isto foi insinuado após o Ivan ter publicado uma fotografia absolutamente obscena – a do horror estampado na cara de uma mãe e de um filho em Beslan - seguida da confissão pública de um estado de alma: ter sofrido “impressionadamente, como qualquer pessoa, com o sequestro e morticínio de Beslan”. Eu acredito que o Ivan não estivesse a tentar apropriar-se do que quer que fosse quando se expôs ao lado daquela fotografia. Impõe-se o benefício da dúvida. (...)»

Na minha opinião, este parágrafo é infeliz e está errado. Eu não falei, como sugere o MacGuffin, de uma «criatura de direita» em abstracto; nem «insinuei» que essa «criatura» teria «só uma razão» para lembrar o 11/9. Ao contrário: referi pessoas e posts concretos que procuravam traçar uma linha de demarcação entre quem está do lado das vítimas do 11/9 e quem não está.
Ao mesmo tempo, diz MacGuffin, com a fotografia de Beslan eu procedo a um exercício simétrico daquele que critico: procuro apropriar-me moralmente da tragédia. Só que, pelo contrário, a minha frase – que o MacGuffin aliás cita – é eloquente em sentido oposto: diz que sofri «impressionadamente, como qualquer pessoa» com as notícias de Beslan. Neste contexto, o que o MacGuffin me oferece não é «o benefício da dúvida»: como não há lugar à dúvida, o que ele lança é o seu prejuízo injustificado.
 
Resposta ao MacGuffin, #2
«Quando o Ivan gosta, o Ivan inscreve. Quando o Ivan não gosta, o Ivan apaga.»
Simple as that; definição de praia.

 
A resposta impossível
O MacGuffin dedicou-me um texto há uma semana. Tentei responder-lhe, mas verifiquei que não era possível. O MacGuffin não me conhece e, no entanto, na maior parte do seu post, expõe uma opinião sobre mim. Pior: essa opinião coincide com a da maioria das pessoas que me conhecem. Pior ainda: essa opinião não é má.

 
Guia de auto-ajuda
O paradoxo da auto-ajuda é que é sempre dada por terceiros.
 
Baby-face


Mulher com cara de inocente lembra nossa mãe antes de violada por nosso pai. Sempre mexe com o Édipo dos homens.

[Paulo Francis, Folha de São Paulo, 2/4/88]
 

sábado, setembro 25, 2004

There's this voice in my head
(and in my mailbox)

- Tudo isto é muito interessante, mas a resposta ao MacGuffin está a atrasar-se.
- Sim, mas repara: trata-se de um MacGuffin.
 
Ceci n'est pas un post. São dez
Para começar a ler Alexandre Soares Silva, O que quero da crítica:

«Vou lhe dizer o que eu espero de uma crítica: a reação de uma pessoa inteligente a uma obra de arte. É exatamente isso que eu quero, como leitor: as impressões de um homem inteligente. Não gráficos; não teorias científicas ou políticas; só quero que diga como se sentiu; que associações fez; onde estava quando viu tal filme, leu tal livro; na companhia de quem. O melhor momento na descrição que Mencken fez de uma luta entre Jack Dempsey e Georges Carpentier é quando ele fala de uma mulher linda sentada atrás dele: torceu por Carpentier em francês e aceitou o nocaute com heróica resignação. Fale disso – onde você estava e o que pensou quando viu o que viu – como estava se sentindo – e se um pensamento irrelevante, mas curioso, passou pela sua cabeça durante uma peça ou uma sinfonia, fale dele. Pelo amor de Deus, seja um ser humano. Não tenha medo de ser irrelevante – seja irrelevante. Não pense, se seu assunto é Goethe: meu Deus, estou me juntando à centenária discussão sobre Goethe – tenho que dizer algo relevante sobre ele, ou não falar nada. Não se junte à discussão relevante, naquele cômodo do inferno em que Edmund Wilson discursa para sempre sobre Goethe de modo muito relevante. Seja violentamente irrelevante e fale como se sentiu e onde estava quando leu sobre o país onde floresce o limoeiro. E acima de tudo: nenhuma menção a mimese, catarse, peripécia, carnavalização, Propp, Bakhtin, Marx, Freud - ou a qualquer outro científico filisteu que já tenha cunhado um científico jargão neste mundo. Eles todos ardem agora num muito científico e relevante círculo do inferno.»

A seguir, este, este, este, este, este, este, este, este e este. Tudo posts que fazem parte da selecção incluida no livro.
 

sexta-feira, setembro 24, 2004

Uma alternativa de vida


Entre os Wunder, o talento de Soares Silva é ostensivo. Porém, os textos de Felipe Ortiz têm características singulares, que despertaram o meu interesse e até uma certa afeição. Ortiz escreve esparsamente, raramente, longamente; é reaccionário de forma muito marcada; e os seus melhores posts não se dedicam a temas de actualidade, mas a «impressões de leitura» de livros como A Apologia de Sócrates e Críton ou Sobre o Dever, de Platão, As Nuvens e Lisístrata, de Aristófanes.
Ortiz não escreve estes textos na qualidade, ou com a pretensão, de especialista – que não é – mas como um leitor que confronta as obras pela primeira vez. Não faço ideia, pela minha parte, se as suas interpretações são «fidedignas», pois desconheço as obras; mas os seus posts são claros, inteligentes, com toda a probabilidade honestos. Ortiz não se abriga sob referências bibliográficas ou notas de rodapé; escreve textos que se lêem com interesse e prazer.
A singularidade das convicções reaccionárias de Ortiz não se exprime especialmente pelos políticos ou pelas políticas de direita que apoia, mas por um pano de fundo filosófico que enquadra tudo o que escreve.
A propósito de Críton, por exemplo, diz:

«Sócrates é o porta-voz, na Grécia, de um ensinamento tradicional presente em todas as linhagens espirituais do mundo, segundo o qual o homem deve “esforçar-se por integrar-se ativamente na ordem divina, enquanto contorna suavemente as contingências da ordem natural e histórica”. Em outras palavras, só é sábio quem dedica suas energias à conquista do mundo do Espírito, enquanto peregrina por este mundo material causando a mínima perturbação possível. O leitor mais profundo compreenderá pelo Críton a futilidade de todas as revoluções, insurreições e insubordinações, que desonram a alma cujos cuidados são o que mais importa. Não é outra coisa senão o que séculos mais tarde Jesus ensinaria a seus discípulos: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Isso inclui morrer, se for preciso, e com o mínimo de perturbação. Como, aliás, o próprio Jesus também morreu.»

Na nota sobre A Apologia:

«(...) o mesmo Deus que assinalou Sócrates não deixou de investir outros tantos homens, em todos os tempos e lugares, da mesma missão e da mesma autoridade. E não deixará jamais de fazê-lo. Você pode reconhecê-los no meio da multidão de insignificâncias intelectuais (...): (i) não apenas crêem em Deus, mas O experimentam em sua vida interior, e é em Seu nome, explícita ou discretamente, que exercem sua missão profética e intelectual; (ii) não se engajam na vida política e fogem, tanto quanto possível, dos encargos do poder temporal, nos quais é quase impossível apelar à consciência individual, única instância pensante da vida humana (...).

E em relação a As Nuvens:

«O agnosticismo "científico" e uma amalucada filosofia da linguagem, o relativismo moral e o pragmatismo educacional, muito daquilo que parece ser o conjunto de conquistas intelectuais da modernidade não são senão reedições de antigas teses sofísticas das quais um comediógrafo ateniense já nos havia feito gargalhar há dois mil e quatrocentos anos.»

Sublinho as passagens que, ideologicamente, me parecem mais freak de um universo de textos que, no conjunto, achei inteligentes, trabalhados, genuínos - excêntricos. Com toda a probabilidade, não teriam jamais aparecido em público se não existisse este meio apressado, moderno, mundano e aparentemente fugaz que são os blogs. Há em Ortiz um apego curioso às ideias, até uma devoção autodidacta, um prazer puramente intelectual na escrita, que é muito cativante. Os temas podem ser os mais estranhos - veja-se, especialmente, um post em que, a propósito de uma obscura e já extinta revista científica brasileira, discorre sobre uma «teoria geral das coincidências». Mas a leitura, a julgar pelo que está no livro, é sempre muito boa.

«Como soa este discurso para os ouvidos de hoje? Bom, (...) nesta era de descompromisso com o modo de vida filosófico, essas idéias (...) são tratadas apenas como uma hipótese, tacitamente aceita como pouco séria, embora ninguém se proponha a refutá-la de modo honesto. É o que de resto acontece com a filosofia antiga em geral: ela não é mais considerada como uma alternativa viável de vida, mas como uma relíquia histórica. Um snack erudito para salgar conversinhas regadas a chope.»
 
Diálogo recorrente
- Passei a manhã na praia.
- No blog?
- Não. Na praia.

[Seguir o link e depois clicar no ícone para ouvir. Aliás, o melhor é comprar o cd para ouvir tudo, incluindo o Mautner.]
 
O melhor post da blogosfera em muito, muito tempo
André Belo sobre o Anacleto.
 
Caquético
[Ou: um velho galã de novela]

(Este post deve inspiração a Ana Sá Lopes e José Eduardo Agualusa.)

José Saramago nasceu a 16 de Novembro de 1922. Em entrevista à revista brasileira Época, José Eduardo Agualusa disse que não gostava de Saramago (eu também não gosto) e rematou: «é um velho» (é mesmo).

Na noite de 29 de Julho deste ano, eu estava em São Paulo (Brasil), onde, em casa de um amigo, consegui consultar a internet e ler, na edição online do Público, que os bilhetes para o espectáculo da Madonna em Portugal, no dia 13 de Setembro, tinham esgotado no própria dia em que foram postos à venda (em apenas seis horas). A notícia acrescentava que, em virtude do interesse dos espectadores portugueses, Madonna faria um segundo concerto no dia 14/9, para o qual seriam vendidos bilhetes logo no dia seguinte.
Como havia muitos, muitos anos que eu esperava por ver um concerto da Madonna, fiquei perplexo e consternado. Escrevi de imediato a um amigo o seguinte email: «Ó Joaquim» - eu estava no Brasil: quando se está no Brasil, todos os portugueses se chamam Manuel ou Joaquim - «Ó Joaquim, por amor de deus, COMPRA-ME UM BILHETE PARA O CONCERTO DA MADONNA, pela tua saúde» [sic: maiúsculas e minúsculas como indicado]. Mas a minha esperança era mínima: quando enviei a mensagem passava das duas da manhã em Lisboa, e era pouco provável que o Joaquim fosse assim tão rápido, expedito e eficaz.
Em seguida, como quase todos os dias quando estou no estrangeiro, escrevi um email ao meu avô, em que, entre impressões sobre São Paulo, comentava a minha «preocupação» e «decepção» por perder o dito concerto. O email para os meus avós foi enviado às 2h51 da manhã de 30 de Julho, hora de Lisboa.
No dia seguinte, à noite, recebi do meu avô a seguinte resposta:
«Arranjámos bilhetes para a Madonna, na Fnac de Cascais. Comprámos os melhores lugares que havia, mesmo à frente, ‘plateia em pé VIP’. Como não disseste quantos querias, comprámos dois.»

Salvador Prata nasceu a 24 de Outubro de 1922. É um velho.
 

terça-feira, setembro 21, 2004

70


[Como entretanto soube que houve quem não tivesse percebido, chamo a atenção de que o link abaixo remete, não para um texto, mas para um pequeno filme. A ideia é que vejam o filme.
- Dah.
]

For most of my life I fought against a relentless depression that I didn't understand. I couldn't understand the origins of it, and I didn't know how to shake it. So, you know, whether it was wine, women and song, or spiritual practice, or pharmaceutical medication - nothing seemed to make a dent in that. When I began seriously to practice in different religious disciplines I didn't enter into these practices with any exulted sense of achieving, enlightenment or equanimity, or anything. I was just trying to deal with this cloud that I couldn't shake. And over the years - I have no idea what the mechanism is: I read somewhere that as you get older the braincells associated to anxiety begin to die; may be that's all that happenned - but somehow over the years it began to dissolve and then it left me.

Disco novo a 25 de Outubro. Site aqui.
 

segunda-feira, setembro 20, 2004

Hoje já estamos lotados, terá de fazer o favor de voltar amanhã
O MacGuffin tem um problema comigo. Tomara que fosse só ele.

(Tentarei responder amanhã.)
 
Enfim, porra, aí vai ela*
[a forma de assinalar o primeiro aniversário do Buba, que foi ontem]


Vinicius e Manuel Bandeira, final dos anos 1940

[De Leticia (Leta) ao seu irmão Vinicius]

Rio, 19 de julho de 1949
Vina,
Faz de conta que você sou eu recebendo uma carta de você. E depois me diz o que se deve responder a uma carta desse teor:
«Viniciozinho, como anda vocezinho? Bonzinho? Não preocupe a sua cabecinha com bobagenzinhas tais como a vida, a morte ou o amor. Isso lá dá camisa a alguém? E o importante, vocezinho sabe, é ter camisa. Por falar nisso, por que vocezinho não faz tricô? O tricozinho fará com que vocezinho se esqueça de tudo o mais, e patati patatá.»
Será que se você recebesse uma carta minha assim, primeiro: você tomaria a sério? Segundo, você teria vontade de responder? Essa história da [sic] gente dizer que está triste, e você aconselhar uma ideologia política realmente é fina! Juca Mulato, estás ficando burro? Será? Por quê, Vina, você não continua a escrever poesia? Cada pessoa nasce com um determinado dom ou para um determinado nicho na vida. Você nasceu poeta. Na política, serias um fracasso.

A correspondência publicada de Vinicius percorre cinco décadas: de 1932 a 1980. As oscilações são sensíveis, embora Vinicius seja, do princípio ao fim, uma criança grande. A criança grande fala com uma candura impressionante com a sua mãe, ao longo de toda a vida; com uma grande paixão fraterna especialmente com a irmã Leta; e de forma particularmente prazeirosa com o poeta seu amigo Mané Bandeira, quase trinta anos mais velho que Vinicius. Estes são três correspondentes que longamente atravessam a vida, e os que mais gostei de ler. Mas depois há outras preciosidades, como a carta da avó paterna, em 1935, apoquentada com a notícia de que Vinicius teria deixado de rezar:

«(...) Não acompanhe esses cientistas modernos que seguem as teorias de Auguste Comte, que acabou louco. O homem só chega com a ciência até certo ponto – além, mais nada! Impedir o bramir da tempestade, os horrores do terremoto, dar vida ao ente querido nas ânsias da morte – ele torna-se impotente diante desses fatos, contempla a sua nulidade e não pode deixar de ver que há um ente superior que nos domina e governa. (...)»

E as duas cartas - que estão online - trocadas com Chico Buarque para discutir os detalhes da letra de «Valsinha», cujos originais (datilografados) neste momento estão em exposição na Biblioteca Nacional Brasileira, no Rio.

A minha relação com Vinicius é um pouco diferente da relação com outros músicos, outros poetas. Não é que Vinicius seja melhor músico ou melhor poeta; é só que está muito mais presente, como se estivesse vivo, sendo que morreu há quase 25 anos. Quando digo «como se estivesse vivo» é porque aparece praticamente todos os dias na minha cabeça, por um pretexto ou outro. Às vezes bastam duas palavras - «prostitutas», ou «semana inglesa» - e desencadeia-se na minha cabeça um poema inteiro, que ouvi em disco, que decorei antes de ler, ou mesmo de que decorei o som antes de entender o significado de algumas palavras. Como, por exemplo, este: a Balada do Mangue, um dos meus preferidos, com «glabras», «glúteas» e «caftinas». Mas isso acho que só ouvindo.

* como dizia o poeta.
 

domingo, setembro 19, 2004

Afro-luso-brasileiro
Os portugueses parecem alguns autores paulistas atuais, soturnos e pessimistas.

[Agualusa em entrevista à revista brasileira Época]
 

sábado, setembro 18, 2004

Poeta militante

Vinicius com 25 anos de idade, em Oxford (1939), onde passou cerca de um ano

Londres, 23 de setembro de 1938
Minha mãe, meu pai, Lygia, Leticia e Helius [irmãos],
(...) A viagem foi ótima. Encontrei um «very nice people» a bordo e nos divertimos como pudemos. Em Pernambuco, saltei no Recife, corri a cidade com o Manuel Leão, irmão de Magu, no automóvel dele. As noites foram soberbas no Atlântico. Na costa de Portugal, tivemos mar forte e, em Lisboa, fiz uma farra com a turma (dois ingleses, um argentino e um francês) no famoso Arcádia, um cabaré estranhíssimo, onde convidei uma portuguesinha (Fernanda) - um amor - pra dormir comigo e ela topou. Fomos pro Lisboa Hotel, onde a polícia nos pegou e eu tive que fazer sotaque português e passar por marido dela e tudo saiu certo - mas quase perco o vapor de madrugada.
Nunca vi coisa mais bonita na minha vida que a entrada do Tamisa de manhã. Parece sonho. Cheguei com um tempo ótimo, um sol brasileiro, e o rio estava prateado e tão cheio de barcos, navios, dragas e canoas que mais parecia um estaleiro. E as gaivotas! Centenas delas, milhares, uma beleza! Foi realmente minha primeira impressão forte desde que saí daí. A viagem, achei banal, e Lisboa, vi à noite, de pilequinho. (...)

Oxford, 14 de janeiro de 1939
Minha mãezinha,
De volta de Paris, encontrei em Londres duas cartas suas. (...) Passei quinze dias em fuzarca braba na França, de que eu estava, aliás, precisando. Nunca vi tanta mulher boa junta. Meu 31 [de dezembro] foi passado num cabarezinho gostoso em Montmartre, entre apaches (se é que ainda existe isso - você sabe, malandros) e ricaços americanos. Eta, pileque danado! Acordei dia 1º, ao meio-dia, com uma italiana linda nos braços, num hotelzinho em Montparnasse. (...)


Nos últimos dias no Rio li a Correspondência de Vinicius de Moraes, organizada por Ruy Castro (Querido Poeta, Companhia das Letras, 2003). É um trabalho um pouco típico de Ruy Castro: útil, imprescindível, mas sem detalhes nem rigores. Não nos é dado saber, por exemplo, que critério o levou a escolher estas 215 entre as centenas ou milhares de cartas que Vinicius terá trocado ao longo da vida; e, se as indicações sobre a identidade de certas pessoas referidas nas cartas são detalhadas, noutros casos são inexistentes; etc. Ainda assim, leitura agradabilíssima, e interessantíssima para quem gosta de Vinicius como eu. Estes excertos de cartas são os primeiros, de dois ou três, com comentários, que pretendo colocar aqui nos próximos dias.

PS. A «carta» a Tom Jobim de que transcrevi aqui um excerto no outro dia não respeita a transcrição feita por Ruy Castro no que toca à pontuação. De facto, a «Carta ao Tom» não é uma carta, mas um texto gravado, de que não me consta que Vinicius tenha deixado alguma versão escrita. Admito que a pontuação de Castro seja mais fidedigna ao estilo de Vinicius, na medida em que Castro leu mais Vinicius do que eu; mas também admito que não. E não gosto dela, de modo que adoptei a minha, isto é, uma que condiz mais com a forma como ouço o texto.
 

quarta-feira, setembro 15, 2004

Estado em que se encontra este blog
(com a devida vénia)


Kabbalists do it better.

 
Madonna vindicated
(samba-reggae, do you like to?)



Não pode ter sido nada senão uma intuição feliz, mas gostei da Madonna precisamente desde o início, com os meus doze anos incompletos – e sempre contra a opinião severa de quase todos os meus amigos. A Madonna era «comercial» demais, «intelectual» de menos e - sejamos francos - «sexual» demais, sobretudo por isto: de uma sexualidade que não tinha a caução de ser muito bonita ou irresistivelmente atraente. «Sexual», na Madonna, era a atitude, não a condição; e, se a atitude parecia vulgar, meu deus - quanta coragem é precisa para não fugir da vulgaridade. A Madonna era «má cantora», «pirosa», tinha «mau gosto»; mas quem objectou à sua «inteligência de superfície» é que, mais que todos, entirely missed the point, porque em certas matérias a inteligência está na superfície, e o que surpreende é como se pode ser burro de maneiras tão profundas.
Por entre os patéticos falhanços que foram as suas tentativas para se tornar numa estrela de cinema, Madonna estreou-se ao lado de Rosanna Arquette, a falsa ingénua das manas mais explosivas de Hollywood. Hoje, a dupla de Desperately Seeking Susan pode parecer quase óbvia, mas back in 1985, muito longe de Crash, Rosanna era praticamente desconhecida; e Patricia ainda nem tinha estreado no cinema, de modo que o apelido Arquette não remetia para cenas de incêndio em Lost Highway. Por essa altura, o marido de Madonna era Sean Penn, um jovem arruaceiro de Hollywood que afugentava jornalistas à pancada - e que vinte anos mais tarde se converteu, provavelmente, no maior actor da sua geração. Madonna não escolheu mal as companhias.
Por entre as suas «fases», taras e manias, a mensagem ideológica de Madonna sempre foi incrivelmente consistente e clara – e poderosa. Dar demasiada atenção a cada uma das «fases» seria determo-nos nos detalhes para não ver o essencial. Parodiando-se a si mesma, esta noite ela surgiu em palco com uma t-shirt segundo a qual kabbalists do better o que dezoito anos atrás italians used to; mas, como o remake da t-shirt obviamente sublinha, o essencial continua a ser it. Mística, num sentido vago e geral, Madonna sempre foi. Mas isso nem eu lhe posso levar a mal, porque, infelizmente, os cultores do prazer e do corpo sempre se sentiram mais à vontade com alguma noção de «alma» do que com os materialismos - ou, pelo menos, do que com o histórico.
 

terça-feira, setembro 14, 2004

Regresso a casa
Call center
José Vítor Malheiros
Público, 14 de Setembro de 2004

- "Bom dia, fala a Sandra, em que é que lhe posso ser útil?"
- "Bom dia, é da Companhia de Seguros Oriental?"
- "É sim, bom dia, fala a Sandra, posso saber com tenho o prazer de estar a falar?"
- "Precisava de saber a vossa morada por favor."
- "Mas posso saber com quem estou a falar?..."
- "Não precisa de saber o meu nome... Só preciso de saber a vossa morada..."
- "É pra poder tratar o senhor pelo nome, com um tratamento mais personalizado..."
- "A única informação de que preciso é a vossa morada, para mandar uma carta. É uma informação pública, não precisa de saber quem eu sou para me dizer a vossa morada..."
- "É só pra poder tratar o senhor pelo nome, com um tratamento mais personalizado..."
- "Isto é uma gravação?..."
- "Não, eu já disse ao senhor que fala a Sandra..."
- "O Hal também tinha um nome, mas isso não o impedia de... Não interessa. O que lhe estou a dizer é que não precisa de saber o meu nome e mesmo que lhe diga o meu nome isso não torna o atendimento mais personalizado. Se nós tivéssemos de facto uma relação pessoal, seria razoável dizer-lhe o meu nome ,porque você me iria reconhecer. Como não nos conhecemos, não é o facto de eu lhe dizer o meu nome que vai personalizar a nossa relação. Além de que eu não quero personalizar a minha relação consigo e algo me diz que você também não. Percebe? O facto de me perguntar o meu nome só quer dizer que você está a olhar para um monitor onde está escrito que me deve perguntar o nome ou alguma coisa do género. O que não só não é pessoal, como é até bastante impessoal e até um bocadinho desagradável....
- "Eu acho que não estou a ser desagradável para o senhor... Se o senhor não quiser dizer o nome, não tem de dizer o nome, mas é só para poder tratar o senhor pelo nome e se não me disser o nome não o posso tratar pelo nome..."
- "É evidente que não pode..."
- "É só o que eu estou a dizer ao senhor... Eu disse ao senhor o meu nome..."
- "Sim eu sei. Sandra. Mas isto não é um baile de debutantes, não precisamos de nos apresentar uns aos outros antes de fazer uma pergunta."
- "... Eu acho que estou a ser correcta com o senhor... Eu estou só a perguntar ao senhor o nome do senhor porque..."
- "Para o tratamento personalizado, já sei... (suspiro) José Vítor Malheiros!..."
- "Bom dia, senhor Zé, em que posso ajudá-lo?"
- "Tem a certeza de que isto não é uma gravação? Eu..."
- "Não é uma gravação, senhor Zé, eu estou a falar com o senhor a perguntar em que posso ser útil ao senhor, senhor Zé..."
- "... só queria saber a vossa morada."
- "Em que localidade, senhor Zé?"
- "A morada da vossa sede. Suponho que é em Lisboa, mas não sei se é."
- "Mas nós temos muitas agências e sem me dizer a cidade..."
- "Lisboa!"
- "Temos muitas moradas em Lisboa. Tem preferência pela rua, senhor Zé?"
- "Tenho. A rua onde está a vossa sede. Quero mandar uma carta!"
- "Posso saber se é um assunto relativo a seguro de vida, automóvel, de acidentes pessoais..."
- "Ouça, Sandra. Acho que já percebi esta questão do tratamento personalizado... Em vez de estarmos aqui a falar ao telefone, porque é não nos encontramos pessoalmente? Isso ia ser muito personalizado. Aí eu podia explicar-lhe pessoalmente porque é que quero escrever a carta, podíamos discutir a epistolografia no século XVIII e, quem sabe, com o tempo, à medida que nos fôssemos conhecendo melhor, talvez conseguisse convencê-la a dar-me a morada. Não digo no primeiro encontro, porque estas coisas às vezes levam o seu tempo, mas talvez no segundo ou terceiro... O que me diz, Sandra?...
- "... eu só estou a perguntar ao senhor Zé... e acho que estou a ser correcta com o senhor Zé... eu não disse ao senhor Zé que não dava a morada ao senhor Zé..."
- "Claro que não disse. Aliás, ainda não me disse nada. Mas o que acha do meu convite? Acha que se pode escapar amanhã para nos encontrarmos? Eu podia levar um cravo na lapela para me reconhecer... ou acha muito marcado politicamente? Uma gabardine! Posso levar uma gabardine! Já ninguém usa gabardine. Ou um chapéu de coco. Ia ser fácil reconhecer-me. Acha que podia levar a morada escrita numa folhinha de papel e, se simpatizasse comigo..."
- "A morada da sede é..."
 
A zona
Um cartaz colocado pela Câmara de Lisboa à entrada da cidade já vai avisando: «Evite a zona do Marquês de Pombal». Os portugueses são muito engraçados. É que «zona», no Brasil, é gíria para bordel, putaria e, por extensão, tudo o que seja muito desorganizado e sem regras: um «casino», para os italianos, um «bordel», uma confusão. Ou seja, exactamente aquilo que, desde que começou a obra de Santana, o coração da cidade realmente é.
 

segunda-feira, setembro 13, 2004

Assim soubesse o Ocidente


Por muito horríveis, precisava de pôr uma foto destas aqui. Não quero a Praia para excluir o que é desagradável ou inconveniente. O facto de ter estado de férias, e com acesso muito precário à net, não me impediu de sofrer impressionadamente, como qualquer pessoa, com o sequestro e morticínio de Beslan. Acredito que o massacre na escola de Beslan constitui um marco na história da barbaridade humana e não gostaria de deixar de assinalá-lo.

Tragédias são coisas pesadas, que exigem ponderação. Ao mesmo tempo toleram mal a passividade. Combinar a ponderação e o sentido de urgência é que constitui, em termos intelectuais, a grande dificuldade em pensar e falar sobre elas.
O massacre de Beslan evocou o massacre do teatro de Moscovo. Lembrou-me um post da Coluna Infame sobre essa outra tragédia. A Coluna Infame marcou o período formativo da blogosfera portuguesa, e de tal maneira que o ambiente intelectual por aqui foi predominantemente de direita até ao nascimento do Barnabé (de que agora se comemora um ano). A Coluna Infame era bem escrita, tinha sentido de humor e, sobretudo, era provocatória.
Mas A Coluna Infame era também, do ponto de vista político, uma infame porcaria. O que quero dizer é isto: A Coluna Infame é um distinto exemplar da direita que pretendeu tornar-se proprietária moral do sofrimento do 11/9 (ou 9/11, para usar o jargão provinciano da capa do Público). Pretendeu e ainda pretende: versão caricatural aqui, versão contida aqui. Esta tentativa de apropriação moral, que sempre foi ou pateta ou repugnante (consoante as disposições), está a tornar-se cada dia mais inaceitável face ao fracasso político e moral da administração Bush no combate ao terrorismo. Três anos depois, ninguém imagina que o combate à Al-Qaeda tenha conhecido progressos significativos. Mas com o hubris de 11/9, a direita bushista achou-se (ainda acha) com direito a tudo.
É interessante constatar, a esta distância, como os infames não tinham (nem têm) qualquer pensamento político sobre o terrorismo que não fosse uma bravata. «O nosso governo reduziu um evento trágico com inúmeras ramificações a um mero poster de recrutamento militar», disse Art Spiegelman, e os infames reproduziram o poster. Essa bravata era, é, em relação ao terrorismo essencialmente apolítica, no sentido de que não equaciona meios nem contempla estratégias. Contrastem-se então estes dois parágrafos: o primeiro de um texto de Teresa de Sousa (que vale a pena ler na íntegra) sobre Beslan; o outro, de um post não-assinado na Coluna Infame, por ocasião do massacre do Teatro de Moscovo.

«Provavelmente, o sequestro da escola de Beslan terminaria com sangue, fossem quais fossem as circunstâncias. Mas, mesmo antes que o turbilhão de acontecimentos lançasse o caos e espalhasse a morte em Beslan, já toda a gente previa um banho de sangue. É esse o padrão de comportamento do regime russo de Putin. O Kremlin lida com o terrorismo controlando a informação e recorrendo à força bruta. Desde o 11 de Setembro, conta com a solidariedade incondicional das democracias ocidentais, que rapidamente esqueceram as causas mais profundas que alimentam o terrorismo tchetcheno.» [Teresa de Sousa, 7.9.2004]

«É verdade que o gás utilizado (BZ? Sarin?) pelas forças especiais russas no assalto ao teatro de Moscovo ocupado por um comando checheno fez 116 entre os 117 reféns mortos, para além dos terroristas. Mas também é verdade que resgatou 650, mesmo se uma parte dos resgatados esteja ainda nos cuidados intensivos. Se não fosse essa intervenção, quantos mortos haveria neste momento a lamentar? Quando se fala dos métodos «soviéticos» de Putin, esquece-se que a Rússia, dadas as suas dimensões e a sua fragmentação pós-imperial, para não falar da reconversão económica, precisa de um pulso forte. E esquece-se que com terroristas não pode haver cedências nem negociações. Putin fez o que lhe competia, e os que o criticam fazem o que costumam. A situação é muito diferente da do Kursk, momento no qual uma certa atitude gélida de «razão de Estado» nos chocou. Aqui a questão era salvar o maior número de vidas, eliminar os terroristas, não ceder a estes métodos. A questão chechena, essa, não tem nada que ver com o assunto. Porque se os autonomismos são, muitas vezes, legítimos, o terrorismo é sempre um acto bárbaro perante o qual não se pode ceder. Putin deu o exemplo. Assim soubesse o Ocidente agir perante a ofensiva que em todo o mundo decorre contra os nossos valores.» [A Coluna Infame, 29.10.2002, itálico meu]
 

domingo, setembro 12, 2004

Patriotismo moderno
Como é que vai o Chelsea?
 
Pátria
Voltar a casa é voltar ao Economist.


Abuses such as child or forced prostitution should be treated as the crimes they are, and not discussed as though they were simply extreme forms of the sex trade.
 
Bilhete de regresso
Viagem ok. O país não se recomenda: não sei o que lhes fizeram, mas na rua têm todos cara de desconfiados. Nos jornais é pior: ressentidos ou fdp. Olha-me só este.
Três assuntos criaram a crispação: as mentiras do Iraque, a posse da anta como primeiro-ministro e a questão do aborto. Tough shit, nenhum dos três tem resolução à vista. O Bush é capaz de ganhar; não é certo que a esquerda se apresente como alternativa às próximas eleições; e continua fora de vista um referendo que solucione o cisma do aborto de uma vez por todas. Às vezes dá-me ideia de que a esquerda anda a hesitar sobre se manda o jus in bello pela janela. Tem sido um ano muito mau.
Uma parte da população, numa dimensão que não posso precisar, procura pelo futebol e pelo sexo distrair-se da merda em que o país está metido. Mas são paliativos fugazes, não duram muito.
A crise é sobretudo moral: «moral» baixo e baixa moral. A crise económica é apenas um pano de fundo de indisposição. Para o turista que chega do terceiro mundo, isto é tudo muito limpo, organizado e não tem verdadeira miséria. A má-cara dos nativos deve aparecer como um mistério.
Talvez estranhes não me referir ao caso da Casa Pia, mas aí os campos não são tão nítidos: ninguém se opõe abertamente a que os culpados sejam condenados, e poucos defendem de forma ostensiva que os acusados não têm direito a defender-se. O sarilho do caso apenas reforça a sensação de impotência, de que tudo corre mal e de que não há nada a fazer.
Sim, é verdade: era para ter apanhado o avião um dia antes. Mas: esqueci-me. Esqueci-me.
 
Regresso
Do país preferido para o brinquedo favorito. Ah, mas a minha vida é muito lúdica!
 

quarta-feira, setembro 08, 2004

O português da anedota
Traído pelas costas: todos os dias corro vários quiosques até encontrar O Estado de São Paulo, o único jornal que me parece aceitável por aqui. Mas hoje, depois de três quadras, surge-me, com os olhos de bode e a inclinação bovina da cabeça, o actual primeiro-ministro de Portugal, na capa. Felizmente, a começar pela legenda, ninguém sabe quem ele é.
 

terça-feira, setembro 07, 2004

De Moraes
7 de setembro para mim sempre evoca isto:

Porto do Havre, 7 de setembro de 1964
Tomzinho querido,
Estou aqui num quarto de hotel que dá para uma praça, que dá para toda a solidão do mundo. São dez horas da noite e não se vê viv'alma. Meu navio só sai amanhã à tarde e é impossível alguém estar mais triste do que eu. (...)
A coisa ruim é que hoje é sete de setembro, a data nacional, e eu sei que em nossa Embaixada há uma festa que me cairia muito bem, com o Baden mandando brasa no violão. Há pouco telefonei para lá para cumprimentar o Embaixador, e veio todo o mundo ao telefone. (...) Você já passou um 7 de setembro, Tomzinho, sozinho, num porto estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? (...)
Vou agora escrever para casa e pedir dois menus diferentes para a minha chegada. Para o almoço, um tutuzinho com torresmo, um lombinho de porco, bem tostadinho, uma couvinha mineira - e doce de coco. Para o jantar, uma galinha ao molho pardo, com um arroz bem soltinho - e papos-de-anjo. Mas daqueles como só a mãe da gente sabe fazer; daqueles que se a pessoa fosse honrada mesmo só comeria metida num banho morno, em trevas totais, pensando no máximo na mulher amada. Por aí você vê como eu estou me sentindo: nem cá nem lá.

[Vinícius de Moraes a António Carlos Jobim. Gravado no disco com Dorival Caymmi e o Quarteto em Cy, reconstituição do show ao vivo na boite Zum-zum, do Rio, a duas quadras de onde me encontro.]

Ah, e papos-de-anjo: de há três ou quatro anos, claro, nunca mais os comi; se os comesse certamente esqueceria.
 

quinta-feira, setembro 02, 2004

Apresentar uma civilização a outra

Morro da Gávea, Rio de Janeiro

O que o Francisco José Viegas e o Pedro Mexia fazem, com o Gávea, é um grande, grande serviço: para além do que lá escreverem, o simples facto de ali encontrarmos uma quantidade muito significativa de links para jornais brasileiros, de vários pontos deste quase-continente, e para sites sobre escritores brasileiros é da maior utilidade e relevância para um país, Portugal, que de forma genérica vive em alegre - talvez porque quase total - desconhecimento da esmagadora maioria da literatura publicada em língua portuguesa. Há esta coisa que me faz muita espécie: temos uma língua que, por via de acidentes históricos, é falada por um número incrivelmente maior de pessoas do que aquelas a que a nossa dimensão enquanto país em princípio nos condenaria; e, ainda assim, damo-nos ao luxo de não querer saber do que se faz e escreve em português, de torcer o nariz face ao "sotaque" da escrita brasileira, etc. É como se persistíssemos em querer ser apenas dez milhões, em querer saber apenas do que fazem dez milhões, quando teríamos um acesso muito fácil ao que fazem outros duzentos milhões com a mesma língua. É claro que, inversamente, para mim é também penoso o desconhecimento que os brasileiros em geral têm do que possa ser Portugal hoje, para além do nível da anedota sobre o Joaquim da Padaria. É penoso, sim - não têm a menor ideia, são arrogantes e não querem saber; mas eles sempre têm os números a seu favor.
Nós, pelo nosso lado, temos uma espécie de desdém primeiro-mundista (olha quem) mal assumido, que nos permite olhar para o Brasil e para os brasileiros achando que eles "falam mal", que são atrasados e preguiçosos.
De que serve enfim esta minha ladaínha? De nada, absolutamente de nada. Não assim a Gávea, do Francisco José Viegas e do Pedro Mexia: eles não fizeram, que eu desse conta, ladaínha nenhuma e criaram um blog. A nossa função - a minha, pelo menos a minha - agora é andar por lá a descobrir.
 
Sete de Setembro
Aproxima-se sete de Setembro. Que sempre me lembra papos-de-anjo.

[Continua]

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