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A Praia

«I try to be as progressive as I can possibly be, as long as I don't have to try too hard.» (Lou Reed)

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quinta-feira, setembro 28, 2006

O paraíso já


Ainda está em exibição em Lisboa (no King) Paradise Now, um filme palestiniano sobre dois bombistas suicidas. Tem aspectos esquemáticos, designadamente um diálogo entre um personagem que defende o bombismo e outro que defende a resistência pacífica (sendo que o segundo é mulher e bonita e letrada). Mas globalmente é um bom filme, uma boa surpresa. Para mim, a surpresa maior foi ver que o filme não é sobre Israel, nem é directamente sobre a ocupação. É um filme sobre os palestinianos, que não saem bem no retrato: há demasiado fanatismo religioso, e autoritarismo, e corrupção moral entre aqueles oprimidos. A cena mais reveladora e cruel é a do clube de video onde se alugam, como objectos de entretenimento, gravações das declarações finais dos bombistas suicidas - e (salvo erro a preço mais caro) filmes de confissões de «traidores» prestes a serem fuzilados. Não é um filme anti-palestiniano, evidentemente: é um filme crítico da ocupação, pelo que mostra da degradação permanente a que são sujeitos os ocupados; mas é um filme crítico da ocupação a partir do retrato pouco rosado que nos dá dos ocupados. Pelo contrário, a única imagem que nos é dada ver de Israel, por entre uma viagem de carro, resulta bastante simpática, uma imagem de arranha-céus resplandecentes de modernidade, no contraste com o que antes víramos de poeira e de lixo.
Tudo isso vai muito longe para evitar o maniqueísmo e para nos ajudar a perceber a situação em que se encontram aquelas pessoas - num filme que se colocava perante o problema dificílimo de tratar um bombista suicida como um personagem de carne, osso e densidade psicológica. A solução encontrada para a cena final, e para o protagonista da cena final, na sua imensa complexidade de motivações amáveis e desprezíveis, o silêncio absoluto, parece ter resultado muito bem, que na sessão em que eu vi o filme durante muitos segundos não se ouviu uma mosca.
 
O legado de Isaiah Berlin
[Publicado originariamente no 5 dias.]



Uma das coisas que suscita curiosidade sobre a China é saber como são a televisão e as livrarias – isto é, como é a liberdade de imprensa. Nos hotéis onde estive apanhavam-se geralmente cerca de trinta canais – quase todos em mandarim, um canal chinês falado em inglês e, ocasionalmente, canais internacionais, como a CNN. A ementa dos canais chineses não parece muito diferente da dos congéneres do lado de cá. Todas as noites havia concursos televisivos do género festival da canção, semelhantes às coisas que a Catarina Furtado tem apresentado ao longo da década, só que em estúdios maiores, ou ao ar livre, com milhares de pessoas. Um programa preferido era assistir a uma novela com uma estética venezuelana (muita emoção, muitas lágrimas, algum sangue), mas transposta para um cenário shogun, com guerreiros, mortes e ressurreições - entretenimento garantido, mesmo em línguas exóticas. O canal chinês em inglês, no qual eu perdia mais tempo, apresentava uma vez por semana um debate entre dois académicos (por vezes, meros estudantes de doutoramento) sobre temas candentes da actualidade como: «estarão os jogos de computador a prejudicar os nossos filhos?», e outros assuntos sociais afins. O lado bizarro do debate estava em que ambos os debatentes eram chineses, e o moderador também, todos em dificuldades para se exprimirem em inglês – e discordando pouco. O noticiário da noite era parecido com a SIC-Notícias, na forma e talvez no conteúdo. Não há críticas ao governo, naturalmente, mas não se nota que a informação siga linhas muito diferentes das daqui.

Agora, o prato forte da noite era o documentário histórico, todas as noites, tecnicamente bem feito, com imagens de arquivo e depoimentos de testemunhas. Embora cada noite fosse um documentário diferente, o tema andava sempre à volta do mesmo: as tropelias que os japoneses fizeram aos chineses (na II Guerra Mundial, na guerra da Manchúria, etc.), a forma como o chinês resistiu, como se levantou perante a opressão, como recuperou o orgulho e a dignidade nacional. Noite após noite apareciam no ecrã velhinhos e velhinhas – ou combatentes, ou meros civis – que contavam como os japoneses criminosos, os japoneses selvagens, os japoneses porcalhões, lhes tinham cuspido em cima, pisado com a bota, assassinado a família, pai, mãe, irmãos, esposa, filhos. Quis-me parecer que no facto de um canal do Estado (cela va sans dire), dirigido a comunidades que não falam chinês por toda a Ásia, se dedicar à recriminação histórica do Japão noite após noite deve estar inscrita alguma mensagem geopolítica importante.

As livrarias, por seu lado, decepcionaram-me um pouco. Esperava, sobretudo de Xangai, mais internacionalização, maior cosmopolitismo, mais livros disponíveis em inglês sobre a China. A escolha não era muita e era errática. O livro que, ao fim de algumas investigações, cheguei à conclusão de que deveria ler sobre a China, nunca o encontrei disponível. A biografia de Mao que se encontra agora em todos os aeroportos do mundo ocidental, e que o nosso professor Cavaco adoptou como leitura de férias (para quê?), não se encontra na China. Mas os Cisnes Selvagens, da mesma autora, em edição inglesa, está em muitas livrarias. (A explicação parece ser que os Cisnes Selvagens é sobre o bando dos Quatro e não sobre o Mao, distinção que, embora subtil, faz toda a diferença.)

Um dia entrei numa livraria de um grande centro comercial em Xangai, onde, no fim de contas, os livros em inglês eram apenas livros de aprendizagem de inglês, e acabei por tirar uma foto desta montra, que me pareceu curiosa. São dois livros de edição chinesa. Um é O Demónio do Meio-Dia, um livro sobre a depressão que tem feito o maior sucesso por toda a parte do mundo (tanto quanto sei, não está traduzido em Portugal, mas apenas no Brasil); o outro, ensaios em homenagem a Isaiah Berlin. E, globalmente, pareceu-me que os liberais do Blasfémias teriam mais facilidade em editar uma colectânea de textos na China do que, digamos, a esquerda «que a direita detesta» do velho Barnabé.
 

terça-feira, setembro 26, 2006

Em Life Aquatic with Steve Zissou (2004), há um negão que aparece no ecrã, sem anúncio prévio, e canta músicas de David Bowie em português, virando as letras todas do avesso. «Five Years», na versão de Seu Jorge, está agora ali na music-box.
Em complemento do texto de ontem do Pedro Magalhães, não percam o texto do Chico Buarque e a entrevista do Caetano sobre as eleições brasileiras, que o Rui Tavares colocou aqui.


Não percebi bem se isto é um blog, mas também não perdi muito tempo com o assunto.
 

segunda-feira, setembro 25, 2006

Este rapaz é tão bom, podia escrever no Economist.

Lula e o futuro

Pedro Magalhães
Público, 25 de Setembro 2006

Nos seis meses que precederam as eleições presidenciais brasileiras de 2002, o real perdeu 40 por cento do seu valor e o índice de bolsa de São Paulo baixou cerca de 30 por cento. Em Junho desse ano, Alan Greenspan, chefe do banco central americano, avisava que «a causa da crise brasileira é política», não deixando dúvidas sobre a relação entre a situação económica e a liderança de Lula nas sondagens. George Soros avançou a previsão de que o destino do Brasil, caso Lula viesse a ser eleito, seria igual ao da Argentina. Só no The Economist, sempre sensato acima da média, se avisava que Lula não era uma «perspectiva assim tão assustadora» (29 de Junho de 2002). Mas o problema, adiantava-se, é que «os mercados têm o hábito de levar a sua avante mesmo quando estão errados. As previsões de colapso financeiro tendem a auto-realizar-se».
Sabemos hoje que o colapso financeiro previsto por Soros e muitos outros não se realizou. Muito pelo contrário. Chegado ao poder, Lula adoptou o mesmo «financismo» que, no passado, tanto tinha criticado a Fernando Henrique Cardoso, mantendo o controlo da inflação e da despesa como elementos centrais da política macro-económica brasileira. As taxas de juro permaneceram elevadas, o crescimento da despesa foi limitado e as receitas fiscais cresceram. Ao mesmo tempo, Lula conseguia fazer algo em que FCH tinha fracassado: uma reforma do sistema de segurança social, aumentando a idade de reforma e os níveis de contribuição dos funcionários públicos e estabelecendo tectos para as pensões mais altas. O Brasil recuperou a sua credibilidade nos mercados financeiros e a taxa de inflação baixou para menos de 10 por cento. E beneficiando da procura internacional, as exportações e a utilização da capacidade industrial cresceram. Em 2004 e 2005, a taxa de crescimento económico situou-se acima dos quatro por cento.
Uma história de sucesso? Em grande medida, sim. O facto da alternância entre FHC e Lula ter trazido uma fundamental continuidade de políticas macroeconómicas só pode ser visto favoravelmente, especialmente no contexto da América Latina, quase sempre mergulhada num círculo vicioso de alternância entre o neo-liberalismo mais selvagem e o radicalismo de esquerda mais populista. Parte desta continuidade é explicada pelos poderosos constrangimentos que a globalização económica e financeira coloca à margem de manobra dos governos. Mas a transformação de Lula e do PT tem raízes mais fundas. Por um lado, após sucessivas derrotas eleitorais, Lula foi-se apercebendo que o «financismo» de FCH não agradava apenas a uma minoria do eleitorado, mas sim a todos aqueles cujos salários tinham sido quotidianamente devorados pela hiper-inflação. O espaço eleitoral para o aventureirismo nas políticas sociais e económicas era, afinal, reduzido. Por outro lado, foi o próprio PT que se transformou. Como assinala David Samuels, num artigo de 2004 na Comparative Political Studies, a passagem do PT pelo poder local e estadual e a crescente heterogeneidade social da sua base sindical criaram incentivos para que se tornasse cada vez mais pragmático e moderado. Por outras palavras, o PT deixou de ser um «movimento político» que se podia comprazer, enquanto força de oposição, no radicalismo ideológico. Tornou-se um partido, obrigado a mover-se mais nos corredores do poder do que na rua ou nas fábricas.
Contudo, é precisamente aqui que começa o problema. No sistema político brasileiro - com separação entre poderes executivo e legislativo, poderosos governos estaduais, um sistema partidário fragmentado, caciquismo local e autonomia dos deputados em relação aos partidos - mover-se «nos corredores do poder» significa ter que fazer aquilo que todos os partidos de governos sempre fizeram: comprar e vender votos, trocar favores, cargos e posições e ver uma parte significativa das despesas do Estado empregue na cooptação de parceiros de coligação e dos muitos deputados e poderes sub-nacionais cujo apoio é necessário «comprar». Não é fácil saber se o PT terá, nesse domínio, ultrapassado a fronteira da legalidade com maior ou menor entusiasmo que os seus predecessores. Mas há pelo menos duas coisas que são certas. Por um lado, a reputação do PT como «partido limpo», conquistada durante o seu longo período na oposição, foi irremediavelmente perdida. Por outro lado, muitos dos recursos que seria necessário empregar em programas de promoção da saúde, da educação e de melhoria das condições sociais dos mais pobres encontram-se, como sempre, capturados por interesses particularistas.
Lula, contudo, vai conseguindo sobreviver. Quando escrevo este artigo, as mais recentes sondagens publicadas davam-no como vencedor à primeira volta nas eleições do próximo domingo. O «mensalão» não se lhe colou directamente à pele e os benefícios sociais que acabou por conseguir distribuir directa e indirectamente - o aumento do poder de compra dos salários, a diminuição do desemprego e a "bolsa família" - têm sido, pelos vistos, suficientes para compensar a perda de credibilidade noutros domínios. Veremos o que sucede até ao dia da eleições, agora que um novo escândalo envolve o PT e abala ainda mais a sua reputação.
O problema, contudo, é de mais longo prazo. Os magros benefícios sociais distribuídos pelo governo têm dependido em grande medida de um clima económico internacional favorável. A capacidade de Lula para desviar a responsabilidade pela corrupção para o PT não é ilimitada e, de resto, acabará sempre por minar o apoio legislativo de que precisa para avançar com mais reformas estruturais. Há muitos países - como o nosso - em que o discurso recorrente acerca da reforma das instituições políticas parece ocioso, um elemento de retórica política com o qual se pretende desviar a atenção do fundamental. No Brasil, contudo, nada é tão urgente e imperativo como reformar um sistema eleitoral e de governo cujo funcionamento é um convite à corrupção, ao clientelismo e à irracionalidade na alocação dos recursos. Sem ela, as profecias de colapso podem vir a pecar apenas por atraso.
 
Like a baby that is shivering

Cohen fez 72 anos na quinta-feira passada.
 
A young poet from Canada
Às vezes estou a ouvir o primeiro disco de Cohen, gravado em 1967 («Suzanne», ou «So Long, Marianne», ou «Sisters of Mercy»), e ocorre-me esta ideia bizarra: a voz que estou a ouvir como se fosse agora, como se fosse em directo, vem de um mundo em que «Suzanne», «So Long, Marianne» e «Sisters of Mercy» ainda não existiam. Não eram canções milhões de vezes ouvidas, canções mais uma vez recitadas. O som que estou a ouvir é da primeira vez em que isto foi dito, foi cantado assim: o que ouço no meu cd com nitidez e detalhe é o momento. E, não sei exactamente porquê, mas essa inauguração causa-me o maior espanto.
 

sexta-feira, setembro 22, 2006

 

quinta-feira, setembro 21, 2006



He won't come. We won't talk. We won't laugh. (...) We won't sit down together to watch The Simpsons and Seinfeld, and we won't listen to Johnny Cash, and we won't feel the strong embrace.
[Do texto lido pelo escritor israelita David Grossman no funeral do seu filho, militar morto na guerra do mês passado.]

Na music-box, lá em cima à direita, «The man comes around», do último disco que Johnny Cash publicou em vida. (Para a Daniela Nascimento.)
 
Turista ocidental
[Publicado originariamente no 5 dias.]



Gostava de contar coisas sobre a China, onde passei o mês de Agosto. Mas por onde começar? A missão é homérica. A primeira expressão que me saiu quando tentei falar aos meus amigos foi dizer que o mês foi «trabalhoso». Um mês de férias, mas trabalhoso. Na China - e clarifico, porque tudo o que eu disser sobre a China é Xangai, Beijing e mais duas outras cidadezinhas (uns povoados mesmo) de sete ou oito milhões de habitantes -, na China não senti muito o conforto do turista. Não é que eu não ande por lugares confortáveis, e de maneira confortável, porque me sacrifico pouco e tenho orçamento suficiente para evitar privações. Mas, tirando uma coisa ou outra - o primeiro hotel onde ficámos, de ambiente bastante colonial -, tudo na China é descoberta, tentar compreender, tentar perceber. Orientar-se a gente consegue, no sentido físico, pelo menos, de não andar perdido, de chegar aos lugares onde pretende, mesmo sem falar uma língua minimamente comum com eles. Mas todo o assunto é orientação no sentido em que passo o dia a perguntar-me: «o que é isto?», «o que é que estes gajos querem?», «que é que andam a fazer?», no meio do barulho, da poluição, da construção, do trânsito, do ritmo. Também da arquitectura, porque é preciso andar de olhos bem abertos e pescoço apontado para cima se se quer ver alguma coisa enquanto turista. Em Xangai, um calor de 35 graus com 90% de humidade, sempre esse bafo húmido, dia e noite, quando se sai dos hotéis, ou das lojas, ou dos restaurantes. (Não vou dizer dos cafés porque, infelizmente, há pouca coisa a que se possa chamar café.) No final do dia voltamos ao hotel, ligamos a tv e olhamos para o mapa da meteorologia que mostra o tempo que fará amanhã do outro lado do mundo. Tirando que, agora, o outro lado do mundo é o nosso lado do mundo; e isso, de alguma maneira, resume bem a experiência, até no aspecto que ela tem de mais encantador: mesmo ao fim de quatro semanas, continuamos a sentir-nos do outro lado do mundo, nunca esquecemos a distância. A supresa, a curiosidade e o incómodo.
Esta distância não é um efeito meramente geográfico, evidentemente. É uma coisa da língua, e é uma coisa dessa matéria mal definida e perigosa a que se chama «cultura». Isto não significa que o diálogo com os nativos seja impossível; não é e, pelo contrário, sobretudo em Beijing encontra-se muita gente com vontade de praticar o inglês e conversar com turistas. Mas a barreira, a ampla barreira, nunca se ultrapassa. Posso estar a conversar com uma rapariga esperta, de vinte anos, professora de inglês, completamente virada para a integração da China no mundo a que chamamos «moderno», que veste as roupas que vê na MTV, e no meio da explicação sobre como interpreta a China e as mudanças que estão a acontecer, ela explica, com a mesma naturalidade, que tudo é no fundo uma continuação do que o Karl Marx já tinha pensado e proposto, que o Deng Xiao Ping fez apenas umas actualizações, sempre guiado pelo pensamento de Marx. E damo-nos conta de uma barreira, de um horizonte inultrapassável, de termos do discurso que não são compatíveis. Um sorriso irónico, porque a conversa por aí não é mais possível.
Eu gostei do passeio e gostei sobretudo de Beijing. Desejo regressar lá, uns quatro, cinco dias, para reconhecimento, voltar aos lugares onde estive, a dois ou três onde não estive, ver como param as coisas, comprar mais umas roupas de contrafacção a preços incríveis (para o turista com algum dinheiro, e querendo comprar, a China é o paraíso). É engraçado também isso: simpatizei com Beijing na primeira meia-hora, sem saber explicar porquê, e constato que o fenómeno é muito comum nas minhas viagens. A impressão da cidade forma-se logo no início. Gostei de Beijing com aquelas avenidas descomunais, larguíssimas, estalinistas: se se colocarem arranha-céus de cada lado da rua, vai parecer normal, tão normal como qualquer cidade dos Estados Unidos. É o que parece. De Xangai não gostei tanto, embora tenha coisas interessantes. Teria meia-dúzia de bares para recomendar, dos melhores que vi alguma vez na vida. Mas aí só posso pensar em voltar porque, imagino, em dez anos, ou vinte anos, a cidade estará do avesso, como toda a China. A impressão da China (Xangai, Beijing, onde eu estive) é essa mesmo: que tudo está a ser virado do avesso. Que tudo é capitalismo, que tudo é fazer dinheiro, que tudo é enriquecer. Nada - nada que ver com a Rússia que eu vi no ano passado, São Petersburgo e aquelas adjacências pós-imperiais (Estónia, Letónia, em certa medida até Helsínquia).
E não há a menor chance de alguma vez sentir aquela coisa de ocidental, de pessoa que vem do mundo desenvolvido e tem curiosidade de saber como é que esses atrasados se estão a aproximar de nós. Há a ilusão optimista de que o progresso é uma linha e de que nós estamos uns passos mais à frente nessa linha; essa ilusão, lá, nunca foi possível manter. Eles não estão a aproximar-se de nós, nós europeus, ou nós ocidentais. Eles estão lá, construindo muito, sujando muito, tentando muito enriquecer. Acho que eles não querem ser como «a América». Acho que querem simplesmente ser ricos e muito grandes. Pode ser ilusão óptica de turista que passeou por três sítios e acha que já viu tudo, que construiu um orientalismo à medida; mas, se eu tivesse de dizer, acharia que eles querem ser a «nova América», a próxima «América», mais do que «como a América». «Os navios chineses tomaram Londres numa manhã quente do Natal de 2035», como especulava o brasileiro que viajava comigo.

O comunismo, a democracia? Da democracia não sei muita coisa. Não sei se há muitos chineses, em Xangai e Beijing, que estejam a pensar nisso. O «comunismo» da China é mais científico do que o Marx e o Engels alguma vez pudessem ter imaginado: entre os nove membros do politburo do Partido Comunista da China, nove são engenheiros. Do comunismo aproveitou-se o que funcionava – um partido, mandando em nome de um projecto «nacional» - e o resto foi para o lixo. Mao está em toda a parte - não em estátuas, mas em bugigangas, matérias comerciáveis, t-shirts, porta-chaves, estatuetas, cartazes, relógios: um Che Guevara daquele hemisfério. E, embora o grande retrato dele continue a ornamentar a entrada da Cidade Proibida, como pai fundador da República Popular, da «nova» China, não há maneira de não achar que a omnipresença do Mao em objectos de consumo de massas é uma ironia maliciosamente calculada. Até para Mao o Partido tem uma fórmula científica: 70% do que fez foi correcto, 30% errado. Do verdadeiro pai da nova China, Deng Xiao Ping, nem um milésimo de representação em figurinhas.
 
Xangai


Foto da minha casa em Xangai. Outras notícias ali.
 

quarta-feira, setembro 20, 2006

Breves
«A recuperação física do Jardel tem sido excepcional, tendo em conta que ele esteve quase três anos sem jogar futebol com regularidade», disse Jardel.

Numa reunião com membros do seu partido, o primeiro-ministro da Hungria reconheceu que mentiu «de manhã, à tarde e à noite» para conseguir a reeleição, escondendo a dimensão do défice das contas públicas e dos cortes necessários para as equilibrar. «Fizemos asneiras. Não poucas, mas muitas. Durante um ano e meio, tivemos de fingir que estávamos a governar. Não temos uma única medida significativa de que possamos orgulhar-nos. Em quatro anos, não fizemos nada. Nada. A economia só não se afundou graças à divina providência, à abundância de dinheiro na economia mundial e a centenas de truques. Agora não há grande escolha porque fizemos asneira. Não pouca - muita. Nenhum outro país europeu teve um comportamento tão irresponsável como o nosso.» [ver, por exemplo, aqui.]

« - Sabias que a gravidez é o estado mais antidepressivo que existe?»
« - O pós-parto é dos estados mais depressivos que existem.»
 

segunda-feira, setembro 18, 2006

Um momentinho

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